Há 30 anos, acredito que estes alunos só tinham três possibilidades de diagnóstico: inteligente, doente mental (e não deficiente) e preguiçoso. Ou seja, se o garoto era esperto para conversar, brincar e desenvolver outras atividades, mas não conseguia aprender, era preguiçoso! Era a lei do tudo ou nada. O tratamento incluía humilhações de alguns professores, "perda de pontos" (diminuição quantitativa nas avaliações antes mesmo de tê-las realizado) e reclamações frequentes aos pais. Se formos um pouco mais atrás encontraremos punições ainda mais severas: palmatória, ajoelhar-se no milho, ficar no canto da sala, em pé, bem próximo da parede, escrever inúmeras vezes frases pouco estimuladoras no quadro ou no caderno, dentre outras. Já nos últimos tempos o comportamento humano, seja no aspecto cognitivo, moral, afetivo vem sendo compreendido num espectro, numa decomposição gradativa de níveis de intensidade, que vai desde o retardo mental, por exemplo, até indivíduos com altas habilidades (antes chamados de superdotados).
Na capacidade de priorizar estímulos e manter-se numa atividade (atenção concentrada) também temos um contínuo de possibilidades, desde aqueles que são hiper focados, até os que têm intenso prejuízo no controle de estímulos irrelevantes, principalmente quando desenvolvendo atividade que exige esforço mental prolongado. Do mesmo modo, podemos caracterizar a habilidade de ler, escrever, calcular, realizar movimentos coordenados e lidar com as emoções. A maioria das pessoas apresenta desempenho na parte intermediária do espectro, estando nos pólos aqueles que fogem da norma, seja para mais (altas habilidades) ou para menos (deficitárias). Os transtornos correspondem à performance significativamente abaixo do esperado: dislexia (para a leitura), Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (para a atenção), Discalculia (para o cálculo), Disgrafia (para a escrita), Transtornos Afetivos (para a inteligência emocional). Estes transtornos podem existir isoladamente (apenas dislexia) ou comorbidades (dislexia e disgrafia, TDA/H e discalculia, disgrafia, discalculia e depressão). Diferentemente da dificuldade de aprendizagem, que é circunstancial (motivacional e ambiental), o transtorno - ou distúrbio - corresponde a uma disfunção no sistema nervoso central e resulta numa grande desvantagem para estudante, podendo ocasionar não só comprometimento na vida acadêmica, mas também no desenvolvimento profissional, afetivo e social.
Além do diagnóstico e tratamento multiprofissional (médico, psicólogo, fonoaudiólogo), é essencial que a família e a escola também participem ativamente, com adaptações e modificações. Um ambiente familiar afetuoso, organizado, ritualizado e com monitoramento sistemático potencializa e mantém os ganhos do tratamento. Na escola, antes de qualquer alteração na estratégia de exposição e avaliação utilizada pelo professor, é decisivo que compreenda e aceite que o aluno com transtorno tem realmente uma desvantagem em relação aos demais.
Ao final da calorosa e inquietante conversa que tivemos no auditório, com muitas perguntas e algumas respostas, ficou claro que além das informações - sintomas, diagnóstico, tratamento, intervenções - precisamos realmente aprender a aceitar e tolerar as limitações, sejam nossas ou dos outros, com as suas consequências. Procurar considerar o sofrimento da família e, principalmente, do estudante é semear a possibilidade de uma nova atitude, para duas novas pessoas - o educando e o educador.