domingo, 15 de maio de 2011

Lembrar e esquecer: faces de uma mesma memória

                Quando alguém comenta que está com problemas de memória sempre imaginamos que ele esteja se queixando de esquecimento, seja do nome de pessoas conhecidas, do local onde guardou algum objeto ou de um compromisso. Estes episódios são incômodos pelo constrangimento, perda de tempo e prejuízos que provocam. Numa escala progressiva podem indicar um processo neurodegenerativo que, além desses e outros esquecimentos, também corrói a individualidade. Precisamos da memória para sabermos e sermos quem somos e, uma vez iniciada a demolição da capacidade de se lembrar, serão identificadas destruições na estrutura da personalidade, com mudanças no jeito de pensar, sentir e agir. A possibilidade de desenvolver uma síndrome demencial tem sido a maior preocupação quando se fa la em esquecimento - para pessoas com mais de 50 anos -, aumentando o interesse por exercícios e estratégias para facilitar as lembranças, como a leitura, palavras cruzadas, cursos, etc. Ter uma memória saudável significaria então demonstrar uma exuberante capacidade de evocar eventos. Mais ou menos. Para realizarmos as atividades diárias - manuais, intelectuais, afetivas, sociais - precisamos realmente ter disponíveis recordações recentes e remotas, e os exercícios cognitivos aumentam a prontidão mental. Porém ter uma memória saudável implica também em...esquecer! Por incrível que pareça o esquecimento, em determinado nível, contribui para uma excelente memória, ou melhor, para uma memória funcional. Pacientes com uma excelente memória conseguem, infelizmente, lembrar-se de quase todos os episódios ocorridos há décadas: propagandas de tv, visitas recebidas, discussões, noticiários, aborrecimentos, refeições realizadas. Tais pessoas, embora poucas,  procuram médicos e especialistas para ensiná-las a esquecer. Não conseguem desfrutar o presente por serem inundadas pelo passado, com um fluxo avassalador de lembranças inúteis. Com uma retenção menos prodigiosa, pessoas rancorosas e depressivas também desperdiçam momentos relembrando, detalhadamente, raivas e frustrações. Na memória funcional a habilidade de lembrar (algo relevante) é proporcional à de esquecer (trivialidades). E se pararmos  para lembrar e refletir um pouco veremos que, por melhor que tenha sido a nossa história, de um modo geral os fatos irrelevantes, repetitivos ou até mesmo desagradáveis foram mais numerosos. Precisamos, sem maiores preocupações, lembrar de esquecer algumas coisas para que possamos evocar não só lembranças, mas a sensação de estar vivo, para vivenciarmos novas - e de preferência agradáveis - experiências. 

terça-feira, 10 de maio de 2011

Contágio Social - primeira parte

      Há dois dias venho tentando digerir o conteúdo do artigo Contágio Social (Mente Cérebro - maio/2011) que, embora tenha sido publicado numa revista com alguma credibilidade, identificadas as referências bibliográficas que fundamentaram o artigo, comentado sobre alguns detalhes das inúmeras pesquisas, com milhares de pessoas, não tem sido fácli absorver as informações apresentadas. Por isso separei alguns trechos que me impressionaram e que venho, ao longo destas 48 horas, ruminando:
1 -"...não apenas agentes patogênicos são transmitidos de uma pessoa para outra, mas também comportamentos - seja o riso ou atos suicidas, decisões sobre compras ou costumes alimentares. Esse contágio social, domina várias áreas de nossa vida, frequentemente sem que tenhamos consciência disso";
2 - "Que o bem-estar das pessoas depende fortemente de quão os outros que estão à sua volta sejam felizes foi comprovado em 2009 pelos economistas John Knight, da Universidade de  Oxford...";
3 -"... a felicidade individual não podia ser explicada apenas por fatores sociais: condições materiais para o bem-estar, trabalho que trouxesse satisfação e principalmente a saúde física desempenhavam importante papel. A isso, acrescenta-se o fato de que redes sociais são estruturas complexas, nas quais vários sentimentos são transmitidos ao mesmo tempo";
4 -"Não apenas sentimentos, mas desejos e planos de vida aparentemente são também contagiosos";
5 - "Quando as pessoas podem fazer o que querem, em geral imitam as outras";
6 -"O ato de imitação mútua tem como base a semelhança entre os membros de um determinado grupo. Similaridades criam confiança e compreensão mútua. Principalmente por esse motivo, médicos tendem mais a ser amigos de médicos e pedreiros de pedreiros";
7 - "Apesar de quase sempre nos propormos a agir de forma autônoma, frequentemente assumimos o ponto de vista daqueles que estão próximos";
8 - "O objetivo máximo dos membros de uma rede de convivência é provar que pensam, sentem e agem da mesma forma que os outros - embora não tenham consciência dessa tendência. Isso fortalece a identidade do grupo, estimula a cooperação e a sensação de pertenciamento...";
9 - "Inúmeros estudos comprovam que o isolamento social representa um risco à saúde".
     Embora o senso comum já tenha alertado, com os seus ditados populares, para a importância e o impacto das companhias no comportamento do indivíduo("Dizei-me com quem andas e eu te direi quem és"), e a sociologia - de uma maneira mais estruturada - pesquisando sobre os fenômenos sociais e analisando  as relações de interdependência entre os homens, minha ignorância sobre o assunto foi determinante para o estado de perplexidade diante da intensidade e amplitude dos argumentos. A priori vislumbro que, havendo algo de real nesse artigo, as implicações na compreensão do comportamento individual e coletivo são imensas, bem como as possibilidades de  manipulação por entidades públicas e privadas. Espero não ter uma indigestão...