domingo, 30 de outubro de 2011

Conhecendo a memória

       "Meu filho tem uma ótima memória, ele lembra de cada coisa"; "não me esqueço do nome das ruas, nem das coisas que leio, por isso não posso dizer que sou esquecido". Afirmações como estas costumam ser ditas como garantias que não há prejuízo  na memorização, mesmo quando algumas atividades diárias, como o estudo e o trabalho estão prejudicadas. E geralmente refletem uma compreensão do funcionamento da mente humana: se uma pessoa tem habilidade para desenvolver uma atividade de forma adequada, consequentemente tem para realizar outras aparentemente semelhantes. É como se cada função mental - memória, inteligência, linguagem, etc - fosse uma unidade,  um monobloco. No entanto os estudos têm demonstrado que o juízo da gente é bem mais complicado e que esses instrumentos cognitivos se manifestam funcionalmente em módulos semi independentes e estão associados preferencialmente a determinadas regiões ou circuitos do cérebro. Em relação à memória, por exemplo, as áreas laterais profundas do encéfalo, próximas às orelhas, chamadas de regiões temporais mesiais, têm um papel decisivo na retenção de novas informações. O fato das funções cognitivas não serem totalmente dependentes umas das outras torna possível um idoso apresentar um déficit na memória com a inteligência e linguagem preservadas (fase inicial da Demência de Alzheimer) e uma criança com retardo mental ter uma satisfatória capacidade de memorização, com a linguagem restrita (espectro autista). Além disso, para uma compreensão um pouco mais detalhada da mente humana, é importante acrescentar que cada modalidade cognitiva é composta por sub modalidades: a habilidade de fixar estímulos e evocá-los ocorre de maneira temporária (memória de curta duração ou de trabalho)  e duradoura (memória de longa duração). Manter mentalmente e por alguns instantes um número do telefone de um conhecido e lembrar dos acontecimentos do último natal, respectivamente, ilustram tais fenômenos. Também podemos ter uma performance satisfatória na memória de longa duração com a de trabalho diminuída. Quando acontece com crianças, favorece à desorganização, lentifica a aprendizagem - leitura, idiomas, problemas matemáticos - e, nos adultos diminui a produtividade, dificulta a execução de algumas atividades diárias e atenua a capacidade de formar novas lembranças. Stress, débito de sono, ansiedade e depressão geralmente são as responsáveis por estas alterações. Mas quando, ao invés da memória de trabalho, a pessoa tem a diminuição ou incapacidade na memória de longa duração (também chamada de memória declarativa) as desvantagens são bem maiores, com prejuízos sociais e  funcionais importantes. E mais uma vez podemos ter duas situações distintas: diante de um acidente com trauma craniano, um paciente não consegue evocar acontecimentos anteriores ao acidente (amnésia retrógrada) e outro indivíduo, num processo neurodegenerativo, não consolida novas lembranças e esquece rapidamente os acontecimentos ocorridos após o problema (amnésia anterógrada). O primeiro não lembra do passado e o segundo não grava o presente. Apesar de existirem vários outros aspectos a considerar sobre esse assunto, eles serão cenas dos próximos capítulos. No momento o importante é que da próxima vez que comentarmos que temos uma boa memorização ou que um filho, pai, mãe ou sogra estão esquecidos, lembremo-nos de que temos vários tipos de memória e que a resolução do problema depende também da identificação de qual está comprometida.

domingo, 23 de outubro de 2011

São só garotos...

     Ontem e hoje foram realizadas as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), onde milhares de jovens em Maceió - além de outros milhões no país -  finalizaram uma longa e penosa jornada, com meses de estudo, deixando de lado alguns prazeres cotidianos e arrastando o peso da concorrência. Com eles, os pais também percorreram ansiosos a trajetória, relembrando em alguns momentos a própria história. Na terra dos marechais, como em outros estados do nordeste, a ansiedade foi maior pela desvantagem de estarem numa região brasileira desfavorecida academicamente, tendo que disputar vaga para a universidade pública federal com  estudantes de centros privilegiados em termos educacionais. E nestes dois dias, enquanto os alunos usavam suas ferramentas cognitivas - linguagem, memória, inteligência - por várias horas,  compreendendo enunciados, recuperando informações  e resolvendo problemas, seus familiares torciam bastante, exercitando suas ferramentas emocionais - fé, controle da ansiedade e dos pensamentos automáticos.  As escolas, por outro lado, pressionadas pelos seus próprios resultados e pelos pais, tentaram corresponder os anseios dos seus clientes e diminuir a desigualdade regional, intensificando os conteúdos e tornando as avaliações mais complexas. Para incrementar a situação, o restrito leque de opções de trabalho que Alagoas oferece, com uma iniciativa privada incipiente, contribui para estreitar o funil de oportunidades, conferindo muitas vezes ao curso universitário o status ilusório de garantia de sucesso profissional. Quem já passou dos 30 sabe que a realidade é bem diferente e que, perto de outras situações que enfrentamos e que eles enfrentarão na busca do lugar ao sol, a prova do ENEM não é nada mais que uma prova. Precisando considerar estes e outros aspectos, os estudantes têm que optar rapidamente. Mas eles são muito jovens! São menores decidindo a vida profissional do adulto! Uma atitude que implica em autoconhecimento, desejo, compreensão da realidade, planejamento, controle de impulsos e flexibilidade mental. Habilidades associadas às regiões frontais do cérebro e raramente desenvolvidas plenamente antes dos 20 anos. Isso não quer dizer que a reflexão e o compromisso não devam ser estimulados e solicitados dos adolescentes, mas que não se pode exigir que eles realizem imediatamente escolhas desta complexidade sem dúvidas e correções, porque são só garotos... 

domingo, 9 de outubro de 2011

Como será?


Como será
quando vivermos mais tempo no mundo da lua,
quando soubermos observar melhor,
quando pudermos refletir destemidamente,
quando aceitarmos a nossa evidente ignorância,
quando compreendermos nossas motivações mais íntimas,
quando soubermos realmente escolher,
quando pudermos agir sem a imperiosa necessidade de conciliar tantos desejos,
quando conseguirmos desvencilhar de sentimentos e impulsos desnecessários,
quando soubermos distinguir claramente o que é agradável do que faz bem,
quando aprendermos a buscar o que é melhor e não só o que mais nos agrada,
quando tivermos mais tempo para menos ocupações,
quando precisarmos consumir menos,
quando conseguirmos desenvolver o desapego do corpo e da mente,
quando não precisarmos temer para ajudar,
quando, ao invés de amor pelos nossos, tivermos cuidado com tudo e com todos,
como será?

domingo, 2 de outubro de 2011

Idoso, vá procurar a sua turma!

      No auditório da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, dezenas de pessoas, a maioria entre sessenta e setenta anos, demonstraram disposição juvenil no Curso de Envelhecimento Ativo, perguntando sobre memória, atenção, Alzheimer e outros distúrbios psiquiátricos. Isto ocorreu na quarta-feira passada, quando apresentava a disciplina Memória e Envelhecimento. Como professor do curso de psicologia que fui, sempre me entusiasmei com a motivação da turma, mas o interesse manifestado por esses alunos foi tão numeroso quanto a idade deles. Durante a apresentação uma estudante me perguntou como evitar a perda da memória e aproveitei para dizer que, entre outras coisas, o fato de estarem ali buscando conhecimento já seria também um comportamento protetor para a retenção, permanecendo conectados à vida. Lembrei que há pouco tempo atrás a realidade do idoso era outra: para a maioria com mais de sessenta anos, a vida se apagava rapidamente na aposentadoria, restando apenas algumas visitas a familiares e médicos e sentar no trono do apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar (Raul Seixas). Nos últimos cinquenta anos não só a expectativa de vida aumentou (em 1960 era de 54 anos e 2010 de 73 anos), mas principalmente a expectativa da vida também cresceu, ou seja, as pessoas fazem mais planos, estudam, viajam e trabalham (embora, como toda turma, existem os que ficam alheios ao novo conhecimento e se isolam nos seus pensamentos e frustrações). E apesar de enfrentarem dificuldades - familiares, financeiras, na saúde -, estão vivendo mais e com melhor qualidade. Assim é a minha turma do Envelhecimento Ativo, que faz parte do grupo que mais cresceu na última década, segundo os resultados do Censo de 2010 (IBGE), correspondendo a 12 % da população brasileira, sendo mais de 20 milhões de pessoas. Detalhe: muitos deles são responsáveis financeiramente pelo domicílio que residem, tendo sob seus cuidados filhos, netos e outros parentes. A tendência é que assumam, cada vez mais, um papel de destaque na sociedade brasileira, transformando-se numa força trabalhadora, eleitoral e de consumo, influenciando mais decisivamente não só nas decisões políticas, mas também na produção e serviços oferecidos. Provavelmente teremos então produtos mais saudáveis nas prateleiras dos supermercados, programas de televisão com entretenimento e informação responsáveis, edificações e vias públicas adaptadas, além de uma maior cobrança das políticas públicas (saúde, educação, transporte, segurança). Isso não quer dizer o envelhecimento santifica as pessoas e que seremos felizes para sempre, até porque existem aqueles que, segundo minha mestra gaúcha Mirna Português, "apodrecem mas não amadurecem" - Paulo Maluf foi acusado, ao setenta anos, de desviar cerca de um bilhão de reais de obras; no interior de Alagoas um grupo de idosos foi preso acusado de pedofilia. Mas acredito intensamente que o aumento da população idosa venha favorecer os avanços sociais no Brasil e atitiudes mais consequentes no mundo  - já que é um fenômeno que vem acontecendo em vários países. Por isso, jovens que cresceram sem veículos na garagem, televisão, celular, computador e internet, juntem-se, continuem aprendendo e sendo atuantes, porque nós precisamos de vocês!