sábado, 27 de agosto de 2011

Uma difícil jornada

      Ontem, fomos - eu, Adriana, Marília e Lucas - a Recife realizar o PAC (Processamento Auditivo Central) na minha filha. Concluído o exame e após ouvir  algumas informações pouco esclarecedoras, frustrado e irritado,  dirijo-me ao  estacionamento e, na saída, colido levemente com um carro de duas senhoras. Após tranquilizá-las e realizados os acertos dos pequenos arranhões nos veículos, desistimos de passear no shopping e decidimos voltar imediatamente para Maceió, às 16:15h. Por não trafegar há alguns anos na BR 101 fiquei entusiasmado com a duplicação da rodovia até Palmares, num trajeto seguro, agradável e confortável. No entanto, anoitecendo, confundi-me e segui na direção errada. Após alguns minutos e 12 km rodados desnecessariamente, desconfiei do engano, procurei orientação e retornei a Palmares para seguir pela 101. Escuro, deserto e sem indicação, o trevo oferecia  várias opções de estradas, deixando-nos por alguns instantes preocupados, até identificarmos o caminho certo. Aliviados, seguimos pela rodovia e, após alguns quilômetros, encontramos um grande engarrafamento de veículos: uma ponte estava destruída e só havia uma via de passagem para os dois sentidos. Como não havia o que fazer, ficamos observando o jeito de viver das pessoas ali presentes: casas simples, idosos sentados na calçada vendo o tempo passar e poucos estudantes andando à beira da pista, em direção à escola. Ficamos impressionados como elas conseguiam viver com tantas restrições e manifestar contentamento. Na escuridão os minutos foram passando lentamente e tentei preenchê-los contemplando o imenso céu estrelado. Após esperararmos mais de uma hora, conseguimos finalmente atravessar a ponte improvisada. Novamente nos sentimos aliviados, mas a estrada que encontramos a seguir era muito esburacada e exigia muita atenção. No trajeto encontramos vários carros danificados no acostamento, com as pessoas trocando os pneus ou fazendo outros reparos. Continuamos a seguir lentamente na rodovia, com um trânsito intenso e, finalmente às 21:30h chegamos bem cansados, mas confortados por estarmos em casa.
      O cansaço não foi suficiente para antecipar o sono porque outros incômodos mais agudos alimentavam os mais variados pensamentos e recordações, sendo apaziguado apenas pelo sorriso iluminado e o abraço caloroso da minha princesa na despedida de boa noite. Comecei a lembrar das histórias de  alguns pacientes, principalmente daqueles com intensas limitações em compreender, comunicar, interagir, etc. Aqueles que, na bagagem, guardam inúmeras situações desagradáveis pelas dificuldades apresentadas, pelos fracassos, cobranças, reclamações, exclusão e até discriminação. Eles, apesar de  progredirem na aprendizagem, continuarão a apresentar desvantagens nas atividades familiares, escolares e sociais. Por outro lado, seus pais, como nós, teremos uma estrada escura, longa e difícil, irritando-se com comentários pouco esclarecedores ou inadequados de determinados profissionais, curiosos e até conhecidos, entusiasmando-se com a evolução e com novas possibilidades, arrependendo-se de certas decisões e atitudes tomadas, angustiando-se na solitária e eterna espera, porém aprendendo com outras famílias mais prejudicadas, alegrando-se com detalhes e encontrando conforto em casa. 

domingo, 21 de agosto de 2011

Receita - memória à moda da casa

Ingredientes
1 situação ou evento completo
300g de motivação
1 litro de atenção
3 colheres de sopa de emoção
pitadas de compreensão

Modo de preparar
Retire toda a parte externa da situação e coloque o miolo numa panela, com  200g de motivação, 1/2 litro de atenção, uma pitada de compreensão e 1 colher de sopa de emoção (preferência agradável). Mexer repetidamente até reter na panela. Deixe a massa adormecer por um bom tempo... Em seguida coloque na forma untada com 2 colheres de emoção e leve ao forno, em fogo brando, por algumas horas. Antes de resgatar do forno acrescente  mais 100g de motivação e o restante da atenção. Está pronta a Memória à Moda da Casa!

Modo de servir
Deixe esfriar e sirva sozinha ou acompanhada de outros pratos quentes ou frios. Deve ser conservada em lugar aberto e arejado, com prazo de validade indeterminado, porém com algumas alterações no sabor no decorrer do tempo.

Observação  
Evite exageros: a abstinência ocasiona alienação e a ingestão exagerada pode provocar mal estar, indigestão, insônia e diminuição dos reflexos.

domingo, 14 de agosto de 2011

Preservando a família

     Saboreando os olhares e  os abraços carinhosos dos meus três filhos neste domingo dos pais, fiquei quieto e me divertindo ao ver alguns comportamentos neles que acredito serem meus: o interesse por instrumentos musicais, a intensa necessidade de frutas na alimentação,  dormir com os olhos vendados, o prazer do contato com cavalos e com a natureza. Ainda bem que na socialização "puxaram à mãe", porque se dependessem da minha habilidade social... É claro que vários outros comportamentos deles têm  influência dos pais - genética ou psicológica -, favorecendo não só as suas virtudes mas também as suas limitações mas, sendo hoje o meu dia, sinto-me no direito de me embriagar com algumas doses de vaidade paterna, comentando apenas algumas influências que considero positivas. Mesmo morando na cidade, em apartamento, o gosto pelo ambiente rural - contato com animais e plantas - é uma das características mais marcantes da minha família. Já no meu tempo de criança o quintal da casa e as árvores eram o playground, e os animais - galinhas, cágado, mocó, peixe, cachorro, sagui - faziam parte do entretenimento, mas também das responsabilidades (alimento, banho, limpeza). Possivelmente nesta fase nasceu o meu interesse em observar comportamentos. Lembro que certo dia, querendo enfeitar o aquário com vários peixes e ornamentos, um criador experiente me falou da importância de se criar um ambiente equilibrado quimicamente (evitasse materiais e objetos que tornassem a água muito ácida ou muito alcalina) e no relacionamento entre os peixes (optasse por espécies que convivessem sem agressividade). Foi a primeira vez que ouvi alguém destacar a dificuldade e a importância de se criar e manter um ambiente em harmonia. Mais tarde, iniciando o curso de biologia, o equilíbrio e a influência mútua voltaram a ser os destaques no estudo  da biodiversidade. Nesses últimos anos, assistindo aos vários documentários sobre mamíferos e primatas, a complexidade das relações entre os membros num determinado habitat, seja nas árvores, em tocas ou num determinado território da savana africana tem me deixado perplexo. Comportamentos tradicionalmente classificados como exclusivos de pessoas, dos mais egoístas aos altruistas,  são cada vez mais identificados nos animais.
     Como pai e psicólogo, acompanhando as inúmeras mudanças que vêm acontecendo na família, tenho frequentemente me questionado sobre aquele equilíbrio e as repercussões nesse primeiro núcleo social formado, primeiramente, por duas pessoas com histórias de vida diferentes, condutas distintas, pensamentos e sentimentos nem sempre convergentes, e que precisarão de um tempo para se ajustarem. Quando nasce o filho, uma nova ordem se estabelece em casa, com novos objetivos, desejos e interações, formando então um ambiente complexo - psicodiversidade - que, como todo ambiente, irá buscar o equilíbrio. No entanto, outras situações, às vezes inevitáveis, podem provocar alterações: a saída do pai (ou da mãe) e a entrada do padrasto (ou madrasta) na separação, com a inclusão dos enteados no mesmo ambiente;  a permanência dos filhos na casa de familiares (tios, avós) por turnos, dias e até semanas, num ambiente diferente, com pessoas e costumes próprios; o espaçamento das reuniões familiares diante do excesso de atividades dos responsáveis e da correria do cotidiano; a extinção de hábitos alimentares, de estudo e de sono pela crescente terceirização das responsabilidades do lar. E o equilíbrio da psicodiversidade? Se a capacidade de planejar e modificar o próprio comportamento através da reflexão é uma realidade no comportamento do indivíduo, a história evolutiva da humanidade e a consequente arqueologia mental também  não podem ser ignoradas. Sendo assim, continuemos a procurar um local seguro para os nossos filhotes, a lamber a nossa cria rotineiramente, a coçar sua cabeça e retirar os piolhos, a ensiná-la a caçar, a orientá-la a fugir quando preciso e lutar quando necessário, e procurar uma boa sombra para ficarmos amontoados. E, como pai, deixemos também florescer o sentimento de posse e cuidado: esta é a minha família! Em seguida sejamos decisivos, embora com a colaboração de parentes e até funcionários, na construção do equilíbrio do nosso canto, adaptá-lo quando necessário, mas sobretudo defender, com unhas e dentes, a preservação da intimidade familiar.

domingo, 7 de agosto de 2011

Felicidade é poder

      Vi pessoas sorrindo no setor de radioterapia de um hospital, outras entristecidas; numa associação de deficientes fisicos, uns demonstrado revolta, outros consertando a própria vida; no consultório, alguns idosos que tiveram grandes perdas estão em paz, e outros bem sucedidos financeiramente, angustiados. De alguma forma pessoas infelizes geralmente se sentem impotentes. Será que a felicidade, entre outras coisas, envolve poder de escolher e decidir? Perceber possibilidades e efetivamente optar na satisfação de algumas necessidades? Se for assim, sentir-se-á feliz exercendo algum poder, em algumas necessidades. Felicidade então é poder?! De se movimentar (para os que estão limitados fisicamente)? Desempenhar (para os inexperientes)? Consumir (para os mais contaminados com a atmosfera social)? Vivenciar (para os que estão aprisionados)? De sentir-se vivo (para os que perderam a esperança)? Infeliz, com certeza, é a tarefa de escolher e priorizar estas necessidades sem que tenha se passado grande parte da existência, ou pior, toda a vida. Mas apesar dos inúmeros momentos de dúvida e insegurança durante a jornada, vai valer a pena e haverá dias de motivação e grande entusiasmo.