segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Memória de trabalho

      Quando uma colega - Karine Martins - me convidou para apresentar uma palestra na V Jornada Alagoana de Neuropsicologia, rapidamente me lembrei das crianças e adultos do consultório que reclamam da falta de memória (na escola, no trabalho e nas atividades cotidianas). Mas não estou falando dos grandes esquecimentos  - do que viu e ouviu -, mas sim dos pequenos (nem por isso desagradáveis) lapsos de memória. Aqueles que ocorrem quando estamos lendo um texto e deixamos a informação escapar, necessitando reiniciar a leitura, ou quando tentamos manter um número ou uma palavra na consciência para utilizarmos em seguida e a perdemos rapidamente. Por isso resolvi falar sobre a "memória de trabalho e o desempenho cognitivo", a fim de divulgar as características do seu funcionamento e os incômodos de um déficit nas atividades diárias. Foi aí também que percebi que, mesmo tendo escrito várias postagens sobre esquecimento, não dei atenção que a memória de trabalho merece.
      A quantidade de estímulos detectados pelos receptores sensoriais (olhos, ouvido, pele, músculos) e direcionados às regiões encefálicas é muito grande. A cada segundo, inúmeros dados visuais, auditivos, táteis, cinestésicos são sentidos, porém nem todos são percebidos (a percepção é a interpretação e compreensão consciente de parte do que foi captado pelos sentidos). Mesmo com esta primeira triagem efetuada pelo cérebro humano, o fluxo de informações é contínuo na vigília, oriundo das aulas diversas, informes dos letreiros, faixas e outdoors da cidade, momentos de conversas com familiares e amigos, tarefas e providências realizadas durante o período de trabalho, leitura de livros e revistas, conteúdo dos programas da tv (jornais, novelas, filmes), detalhes dos transeuntes que circulam no campo visual, informações da internet e muitas outras fontes. Durante as 16 ou 18 horas que passamos acordados, somos expostos a uma quantidade exagerada de informações, e não há como fixá-las totalmente. Ou melhor, não é necessário memorizar tudo, porque nem tudo é importante.
      A mente humana disponibiliza, principalmente, dois tipos de memorização: longo e curto prazos. São elas a memória declarativa (ver outras postagens anteriores) e a de trabalho, respectivamente. Na memória de trabalho (MT) o importante é manter uma pequena quantidade de estímulos disponível; lidar com alguns pedaços de informação simultaneamente; operacionalizar e proporcionar o trabalho mental. Dito de uma maneira diferente, é a nossa mesa de trabalho; "local" onde dispomos o material, nos debruçamos e trabalhamos. Em seguida, colocamos o refugo no lixo, limpamos a mesa para um próximo serviço. Quanto maior a bancada, mais material podemos organizar sobre ela e um trabalho de maior dimensão poderá ser realizado. Por outro lado, quanto menor, mais limitada a capacidade de manipulação dos elementos e, consequentemente, menor produção (poderíamos ainda chamá-la de "pulmão mental",  por proporcionar o fôlego necessário ao mergulho cognitivo - quanto maior o fôlego, mais profundo podemos ir na atividade e mais tempo conseguimos permanecer submersos). A memória de trabalho é então a habilidade cognitiva que nos possibilita assistir a uma aula, ouvir o professor e manter suas explicações encadeadas e disponíveis; propicia a realização de um cálculo mental, visualizando os números e as operações aritméticas no seu esboço visuoespacial; na leitura, sustenta a fixação das palavras até a finalização da frase, bem como da ideia, até o término do parágrafo, sem perder o fio da meada;  numa reunião de trabalho ou assistindo ao filme nos mantém prontos (com o auxílio da atenção) para, simultânea e repetidamente, escutar e ponderar; na necessidade de gravar um número de telefone - na ausência de um caderno -, essa memória utiliza sua alça fonológica e "anota" os números temporariamente (se não utilizarmos outras estratégias para transferir a informação da memória de curta duração  para a memória declarativa ou de longa duração, o conteúdo será "descartado na lixeira", esquecido - como o nome de uma pessoa que acabamos de conhecer). Na memória de trabalho a informação será eterna enquanto durar a atividade mental  - pelo menos é o que deve acontecer.
        Algumas pessoas porém demonstram restrições na memorização transitória, provavelmente decorrentes de problemas genéticos e/ou ambientais. Espectro autista, transtorno de atenção, dislexia, retardo mental, transtornos ansiosos e afetivos são alguns exemplos de distúrbios que podem manifestar dificuldades nesse tipo de memória. Nestes casos, o déficit na MT geralmente resulta em comprometimento importante na aprendizagem. Mas, mesmo nas crianças e adultos que não apresentam transtornos, a atenuação do seu funcionamento poderá reduzir o desempenho geral, comprometendo a produtividade na atividade acadêmica, no exercício profissional e nas providências cotidianas. A memória de trabalho é um dos principais termômetros do funcionamento mental; ela também é protagonista no cenário cognitivo e ...  sobre o que eu estava falando mesmo?

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Olimpíadas 2012, 2013, 2014...

      Nestes últimos 15 dias participei de uma maratona ... de atividades. Além das habituais tarefas e compromissos profissionais, familiares e sociais, tornei-me um telespectador assíduo das Olimpíadas de Londres, acompanhando, por inúmeras horas, as competições de Futebol, handebol, voleibol, atletismo, hipismo, basquete, iatismo e ginástica. E não foi fácil pois, assim como os atletas, também tive que suar bastante, planejando os meus dias (para conciliar e incluir na minha agenda diária o máximo de jogos), ficando atento no consultório às manifestações de vitória vindas das ruas (gritos, buzinaço, fogos), procurando ser eficiente na resolução das providências e mostrando rapidez no retorno ao lar. Em casa, tive que desagradar a esposa, ao tumultuar um pouco - acho - os necessários hábitos cotidianos, alimentando-se apressadamente e convocando os filhos para a bagunçada torcida no sofá. Além disso, por duas semanas sacrifiquei heroicamente a minha sagrada siesta  das 13h, por coincidir com o horário de jogos importantes. Até os rabiscos de que gosto de realizar aos domingos foi comprometido pela minha dedicação ao evento. Mas, valeu a pena! Foi um show de imagens e emoções!
     Como ex atleta de esporte amador, tendo praticado handebol há 25 anos, assistir aos jogos me fez reviver os torneios participados, a ansiedade pelos jogos, o espírito de união do time, a angústia dos momentos decisivos, a "força" que vinha dos gritos da torcida amiga, a tristeza das derrotas e o êxtase das vitórias. Embora bem distante da qualidade técnica dos atletas olímpicos e do glamour de Londres, foram momentos inesquecíveis! Momentos iniciados aos 12 anos, como uma brincadeira nas aulas de educação física numa escola pública, seguindo-se com os primeiros arremessos desajeitados na escolinha de handebol, suportando a reserva por um ano inteiro, até ser promovido como titular do time a partir do ano seguinte. Até os meus 18 anos, foram incontáveis dias de treinamento - ocorridos ao menos três vezes por semana -, com exercícios físicos repetitivos e exaustivos, com dores nas pernas e braços ao despertar, lesões no joelho e a conciliação com os estudos escolares. Quando nas competições em outros estados, ficava em alojamentos com acomodações improvisadas nas escolas, dormindo em colchões no chão e malas espalhadas pela sala de aula, jogando até duas partidas diárias, preenchidas com empurrões, pancadas e cotoveladas dos adversários, gritos do treinador, tensão constante, sede, cansaço...  Tudo isto em busca por grandes medalhas: força, destreza, compleição física, status e, é claro, o delicioso sabor da vitória.
     Mas a riqueza da prática esportiva ultrapassa a utilidade de sublimar tendências humanas primitivas: através do doloroso treinamento - físico e emocional -, favorece o indivíduo a persistir diante da preguiça ou do cansaço, a suportar o sofrimento (sabendo que a dor diminui em alguns dias, após algumas compressas) e não se entregar facilmente com o desânimo. Assistir às Olimpíadas de Londres foi realmente empolgante: pelo desfile da bela variedade humana, na sua forma e comportamento; pelo espetáculo de força e de precisão; e pela valorização global de uma atividade humana naturalmente terapêutica, que tem a possibilidade de nos tornar mais hábeis nos movimentos do corpo e da alma.