terça-feira, 27 de setembro de 2011

Convivência harmônica

     Neste último domingo participei de uma cavalgada com mais 14 pessoas, entre filhos e amigos, nos povoados de Marechal Deodoro, por aproximadamente 30 km. Foi um passeio muito agradável, embora cansativo, ao ponto de não conseguir realizar - embora tentado - a também agradável postagem dominical. Hoje, totalmente recuperado das 6 horas da cavalgada, senti a necessidade de comentar alguns momentos interessantes vividos naquele dia. Selamos os cavalos às 09:00h da manhã e saímos da Barra Nova em direção à praia do Francês, passando por outros povoados do mesmo município. Apesar de conhecer a região há aproximadamente vinte anos, montado no cavalo conheci lugares nunca antes visitados, desde as trilhas na capoeira e galopes com emoção nas dunas, até as paradas rápidas em lugares simples e aconchegantes, para descansar os animais e degustar uma saborosa comida. Tudo isso acompanhado de uma conversa animada e descontraída. Tudo isso proporcionado por uma antiga e intensa parceria: o homem e o cavalo. Uma dupla que desbravou continentes, participou de caçadas, preparou a terra para o plantio, transportou pessoas e enfrentou batalhas sanguinolentas. Ainda hoje, apesar dos avanços tecnológicos e sociais, esse animal ainda é essencial na batalha da vida de muitas famílias, seja na cidade ou no campo. E para crianças com transtornos do desenvolvimento, o movimento rítmico, preciso e tridimensional do equino - frente/trás, direita/esquerda, cima/baixo - permite uma intensa estimulação proprioceptiva (percepção do próprio corpo), favorecendo o aprimoramento das habilidades motoras, cognitivas e emocionais (equoterapia). Não é a toa que o cavalo desperte tanto entusiasmo nas pessoas, demonstrado no olhar curioso e atento de crianças e adultos quando a tropa passa. Não há quem consiga ficar indiferente a ele. A sua imponência, robustez e elegância hipnotizam qualquer espectador. Já para os cavaleiros, a segurança da montada, a força dos seus mais de trezentos quilos, a andadura em todo o tipo de terreno, a excitação do galope e o vento batendo no rosto fazem sentir um prazer sem tamanho, pisoteando todas as preocupações e aborrecimentos, restando apenas o cansaço de uma atividade plenamente satisfeita. É a harmonia entre a força e a sutileza, o concreto e o abstrato, a emoção e a razão...

domingo, 18 de setembro de 2011

Como é mesmo o seu nome?

      Ontem pela manhã, chegando na academia, encontrei um irmão de um amigo que há muito tempo não o via. Após cumprimentá-lo, recordamos alguns episódios da nossa infância, mas não lembrei do nome dele. Durante a conversa, relembrando os eventos remotos, tentei fisgar alguma pista que me levasse ao nome do rapaz, sem sucesso até agora. À tarde, chegando numa festa de aniversário para buscar o meu caçula, fui me despedir do pai do aniversariante - que, por sinal, já esteve em minha casa - mas, novamente o nome não saiu. Que chatisse! Ouvir o outro pronunciar o nosso nome geralmente é muito agradável, mas perceber que ele esqueceu, não. Parentes, amigos e inúmeros pacientes  também relatam o mesmo problema: gravar o nome das pessoas!
      Em Os Sete Pecados da Memória, Schacter explica que o nome de uma pessoa, expontaneamente, revela muito pouco sobre o indivíduo. Saber que fulano é Igor, Artur ou Luciana não indica imediatamente característica alguma delas, dificultando associações e comprometendo a memorização. Consequentemente, não se forma uma exuberante rede semântica, ficando apenas um único e penoso caminho para a recordação. Diferente do substantivo comum - computador, casa -, que é possível estabelecer facilmente uma representação visual e conceitual: computador é algo retangular, resistente, elétrico e serve para digitar dados. Além disso, os substantivos comuns têm os sinônimos, que suprem no esquecimento: na falta de casa, posso falar residência ou moradia. Já Igor é totalmente diferente do Artur, que contrasta com a Luciana. Dois pecados da memória podem explicar este fenômeno: o bloqueio e a distração. No bloqueio o nome foi memorizado mas, por falta de atalhos, sua recordação se torna trabalhosa. Expressões como "tá na ponta da língua" ilustram o ocorrido. Na distração a pessoa, sem perceber, não prioriza a escuta do nome, direcionando sua atenção para outra situação mais urgente ou interessante, tendo como resultado a falha na codificação da informação e a ausência do armazenamento. Ansiedade, alterações do humor, stress e débito de sono podem intensificar tais situações. E pra complicar um pouco mais a busca da palavra, existe ainda o fenômeno chamado "irmãs feias" (em referência à história da Cinderela, quando as irmãs feiosas, filhas da madrasta, tentam impedir que a moça calce o sapato, escondendo-a e se antecipando forçosamente para o principe): quando tentamos arduamente lembrar do nome do conhecido, sugem outras palavras intrusas na cabeça, dando uma falsa sensação de verdadeira. Aí chamamos Amanda de Ana ou João de Adão. Geralmente são palavras com alguma semelhança na forma ou na sonoridade. 
     Mesmo considerando a imensidão de relacionamentos reais e virtuais estabelecidos atualmente, é possível minimizar esses incovenientes, evitando um possível constrangimento. Inicialmente é necessário prestar mais atenção no momento da apresentação, demonstrando um esforço cognitivo de criar intencionalmente uma associação entre o nome da pessoa com alguma característica dela (física, emocional) ou com algo/alguém conhecido (Adão - bigodão; Ana - mesmo nome de uma tia; João - nome de um grande papa). É essencial também repetir várias vezes o nome do indivíduo durante os primeiros segundos da conversa de apresentação, facilitando a retenção. Desta forma se ativa mais intensamente a região do giro frontal inferior esquerdo do cérebro, aprimorando a codificação e, consequentemente, a memória. Porém, parece que o mais difícil é se conscientizar que é preciso fazer algo e não acreditar - como eu - que os nomes vão surgir por geração espontânea ou fazendo força, para não correr o risco de ser forçado a pronunciar aquela desagradável pergunta: como é mesmo seu nome?

domingo, 11 de setembro de 2011

Pessoas inteligentes, mas indiferentes?

     Há vários dias a imprensa vem divulgando repetidamente  os atentados terroristas do dia 11 de setembro de 2001, nos EUA, apresentando detalhes dos sequestros dos aviões, da destruição total das torres gêmeas e parcial do pentágono. Desde as características dos sequestradores, com a preparação (técnica e emocional) até o planejamento e execução das ações. Foi realmente impressionante! Como um grupo de pessoas consegue invadir a casa do inimigo e, com as suas próprias armas, ocasionar tamanho estrago? Como uma organização consegue causar um dano tão intenso na maior potência econômica e bélica do planeta? Como superar um país com a maior tecnologia do mundo e com um check in tão rigoroso nos aeroportos? Com inteligência! Quanto mais nos informamos dos bastidores dos atentados, mais evidente fica a refinada elaboração dos planos de Bin Laden e cia. Com criatividade, capacidade de planejamento, flexibilidade mental, operacionalidade, controle de impulsos e monitoramento, eles executaram uma das ações  mais audaciosas dos últimos tempos. Sim, realmente eles foram muito espertos! Com inteligência, eles mataram quase três mil pessoas, afundaram os americanos num gasto de bilhões de dólares em dez anos e intensificaram o medo na população (pesquisas indicaram um aumento dos casos de transtornos depressivos e de ansiedade após os atentados nos EUA). Para muitos estas considerações podem ser absurdas e insensíveis - "isto não é inteligência, e sim maldade!" - mas, infelizmente isso é inteligência, ou pelo menos corresponde a alguns tipos, já que parece que temos vários (Gardner identificou a existência de múltiplas inteligências, como a lógico-matemática, linguística, cinestésica, interpessoal, intrapessoal, entre outras). 
      Assim como a inteligência, as outras habilidades cognitivas - memória, linguagem, funções executivas - são amorais, ou seja, destituídas de valores de conduta. São ferramentas a serviço de algo estrutural no comportamento humano: as emoções. Sendo assim, podem ser usadas tanto para construtir como para destruir, agregar ou separar, criar ou matar, apaziguar ou aterrorizar. Historicamente as habilidades cognitivas têm servido ao primitivo e intenso desejo de poder da humanidade, não só nas grandes batalhas, guerras, roubos e atentados, mas também no cotidiano de muitos adultos e crianças. Da África ao nordeste brasileiro, milhões de pessoas sofrem diariamente com a miséria, a violência e a indiferença de homens inteligentes. Aqui, bem perto da gente, mais de um milhão de alagoanos sobrevivem sem alimentação adequada, assistência médica e educação. E muitos dos nossos representantes e gestores têm altas habilidades cognitivas - inteligência privilegiada, memória prodigiosa, fluência verbal invejável -, com passagem em bons colégios e um currículum impecável. Outros, menos afortunados nestas capacidades, possuem um carisma contagiante ou um espantoso poder de articulação. Com tudo isso, os frequentes desvios de verbas e merendas, os assassinatos, os serviços públicos sucateados e a corrupção fazem com que o nosso estado permaneça eternamente na turma do fundão nas avaliações sociais e econômicas, sendo comparado pela revista inglesa The Economist com o Afeganistão, país devastado e acusado de ter abrigado Osama Bin Laden. Em nossas casas também nos deparamos com as brigas e mentiras dos nossos habilidosos e promissores filhos, pelo poder da nossa atenção. Na escola comportamentos agressivos, apelidos constrangedores com colegas, a chacota com o diferente, a resistência em obedecer regras, o desinteresse pela história. E nós, pais, estimulando cognitivamente nossos filhos com aulas particulares, cursinhos, intercâmbio, escola de línguas,  para que eles fiquem bem preparados para o competitivo mercado de trabalho. Mas, o que estamos realmente preparando? Será que estudantes, profissionais, gestores inteligentes, mas pessoas indiferentes? Determinados e competentes em progredir e atingir metas, em detrimento do prejuízo e sofrimento alheio? Empreendedores, porém descontrolados? Desejo ardentemente que esta postagem xiita se exploda pelos exageros cometidos!

domingo, 4 de setembro de 2011

O cultivo da cognição

      Segunda-feira passada estive num colégio infantil para observar um garoto que, segundo seus pais, já apresentava dificuldades escolares no jardim II. Como geralmente faço, após algumas informações com a equipe técnica da escola, permaneci por alguns momentos na sala, acompanhando silenciosamente as atividades desenvolvidas pela professora. À medida que a tia realizava as atividades - rodinha, leitura da estória da Chapeuzinho Vermelho, lanche coletivo -, pude identificar restrições importantes no desenvolvimento do garoto, principalmente na linguagem, atenção e na socialização. Apesar da intensa plasticidade cerebral presente nos primeiros anos da criança, ocasionando mudanças constantes no seu comportamento, bem como do início cada vez mais antecipado da vida escolar do estudante, alguns distúrbios - transtornos globais do desenvolvimento -, principalmente o espectro autista, precisam ser precocemente diagnosticados e estimulados, a fim de diminuir possíveis prejuízos cognitivos, sociais e funcionais. Entretanto, o diagnóstico dos transtornos de aprendizagem - dislexia, tda/h, discalculia, etc - precisa aguardar um pouco mais de tempo, sendo adequado por volta dos sete ou oito anos de idade.
      Voltando à sala de aula, havia outra coisa que me chamava a atenção naquele ambiente: eu estava presenciando a preparação do solo e a semeadura das funções mentais! A professora oferecia aos alunos atividades ricas em estímulos sensoriais e motores: antes de iniciar a estória, entoava uma música para os alunos ficarem em silêncio; durante a leitura da Chapeuzinho provocava variações no timbre da voz e na sua expressão facial, emocionando a turma; em determinados momentos solicitava que os alunos fizessem movimentos com os braços e pernas, fazendo-os vivenciarem a atividade; depois, no lanche coletivo, pedia que estudantes imaginassem os alimentos contidos nas embalagens, em seguida mostrava-os, pedindo que fossem cheirados, nomeados e degustados. Durante todas as tarefas ela aproveitava para incluir noções de espaço, tempo, quantidade e formas.  Embora não tenha permanecido até a hora do banquete, fiquei plenamente satisfeito e encantado em presenciar as funções cognitivas sendo preparadas e semeadas, através da variada e repetida sequência de atividades sensóriomotoras, adubando a mente com percepções visuais, auditivas, táteis, cinestésicas, olfativas, gustativas e emotivas. A partir de uma fértil percepção brotarão ou se desenvolverão as habilidades cognitivas - memória, inteligência, linguagem, funções visuoespaciais, visuoconstrutivas e executivas -, fazendo florescer a aprendizagem, tendo como frutos a interação - com o outro e com o mundo -  e o conhecimento.