segunda-feira, 28 de março de 2011

Memória e envelhecimento

          Quando estamos numa fila de banco ou de supermercado podemos observar que talvez já não seja tão vantajoso para o idoso ter sua própia fila (ou apenas uma fila), pois frequentemente ela está bastante numerosa. Esta realidade tem sido enfatizada com os dados do IBGE, que aponta o aumento progressivo da população com mais de 65 anos. Além das filas, os idosos estão cada vez mais presentes nos shoppings, cinemas, teatros, excursões, faculdades e também nos consultórios médicos, para realizarem avaliações periódicas.
         No entanto, mais importante que viver muito é lembrar que está vivo. Os cuidados, inicialmente com a pressão arterial, glicemia ("açúcar no sangue") e níveis de colesterol tem, recentemente, incluída a avaliação da memória como algo também importante. As pessoas estão cada vez mais conscientes da importância da saúde cognitiva na funcionalidade e na qualidade de vida aos anos que estão ganhando. Por isso a atenção aos sintomas de esquecimento tem se intensificado, levando-as aos consultórios de geriatria para "tratar da memória". O medo do alemão (Alzheimer), como dizem alguns pacientes, também tem incrementada a procura do diagnóstico, principalmente quando apresentam antecedentes familiares de demência (denominada por alguns como esclerose e caduquice). Entretanto, para se avaliar a memória é essencial conhecer um pouco do seu funcionamento, algumas de suas características, tipos e limitações. Assim, será possível determinar se o esquecimento é normal ou patológico. Inicialmente  é importante esclarecer que uma boa memorização não significa a retenção total do ocorrido (aniversário, leitura, conversa, etc). Diante de um episódio, geralmente ocorre a fixação dos aspectos essenciais do evento, com mais alguns detalhes. Com o passar do tempo os detalhes tendem a serem esquecidos (transitoriedade), permanecendo o fato principal. O estado emocional no momento do episódio, bem como na hora da lembrança também em muito influencia a quantidade e a qualidade da evocação, realizando uma edição. Ou seja, se você estiver lendo um livro interessante, numa boa, a fixação será mais forte. Por outro lado, se estiver  triste ou deprimido, irá lembrar mais facilmente de fatos desagradáveis que ocorreram na sua vida.
         De uma maneira simples e prática, saber se a memória está adequada para a sua idade é, inicialmente, prestar atenção, isto é, observar a intensidade e a frequência dos esquecimentos (principalmente se está repetindo assuntos ou esquecendo fatos ocorridos). Analisar os prejuízos provocados nas suas atividades cotidianas (pagamento de contas, gerenciamento de casa, etc), nas relações com as pessoas e comparar com o seu desempenho dos últimos anos. Feito isso, terá uma significativa impressão do funcionamento da sua memória. Teria outros aspectos a comentar sobre a memória, mas como tenho uma fila de coisas pra fazer, deixarei para um outro momento, senão posso me esquecer do que tenho que fazer...

sábado, 26 de março de 2011

Mais que inteligente

Frequentemente quando estou iniciando uma avaliação neuropsicológica em crianças ou adolescentes, com problemas na aprendizagem, escuto os pais - principalmente o pai - afirmarem enfaticamente: "mas meu filho é muito inteligente!" Num processo avaliativo, seja ele acadêmico, profissional ou psicológico, é natural que ocorra um estado de apreensão, de ansiedade, levando a um comportamento de proteção dos genitores. Mas além desta e outras possíveis considerações subjetivas, percebo também em muitas famílias a crença que a atividade mental se resume na inteligência, e que ela é a protagonista  da qualidade do comportamento humano. É como se o fato de ser inteligente fosse o  mais importante para o sucesso do filho na vida. Mas a inteligência - geralmente a habilidade lógico-matemática - não é a única responsável por uma vida de realizações e feliz. Todos nós conhecemos ou ouvimos falar de pessoas "bem inteligentes", mas que não se deram muito bem. O comportamento humano adequado resulta da harmonia de várias habilidades emocionais e cognitvas, como a percepção, atenção, linguagem, funções visuoespaciais, memória, funções executivas, e inteligência. O refinamento funcional destas ferramentas mentais depende de fatores genéticos e ambientais, podendo - em algumas crianças - apresentar-se isoladamente ou amplamente prejudicadas. A dislexia, discalculina, disortografia, déficit de atenção, dentre outros, são transtornos focais, que envolvem uma ou poucas habilidades (leitura, cálculo, escrita e atenção, respectivamente), mas com a maioria das demais funções cognitivas preservadas. O retardo mental, por sua vez, apresenta comprometimento na maioria das funções (percepção, inteligência, funções executivas, funções visuoespaciais), com poucas habilidades sem manifestar déficit (memória e/ou linguagem). Mas, mesmo em pessoas que não apresentam transtorno ou retardo mental, a disposição das funções cognitivas é personalizada e não homogênea, ou seja, Marina pode ter a atenção e memória medianas, a inteligência superior e  a linguagem diminuídas, enquanto que Júlio a inteligência mediana, a atenção, funções executivas e memória superiores e funções visuoespaciais diminuídas. Uma outra característica fundamental do funcionamento mental é "hierarquia" das funções, onde um estímulo - uma aula - antes de ser memorizada, precisa da motivação, atenção e da compreensão (percepção). Percebe-se então a complexidade do comportamento humano e o fato de que, ser apenas inteligente não é suficiente para um desempenho satisfatório no ambiente familiar, escolar, social e profissional. Inúmeras pessoas, bem dotadas intelectualmente, com transtorno apenas na atenção e/ou na leitura, muitas vezes rotuladas de preguiçosas, tem sido excluídas pelo desconhecimento e pelo preconceito. O pior rótulo, o que causa dano efetivo à vida de uma pessoa, não é o de hiperativo ou disléxico, mas o de fracassado e incapaz. Sejamos então inteligentes o suficiente para percebermos o problema,  lidarmos com a frustração decorrente e buscarmos o conhecimento adequado.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Chuva

Estou feliz porque está chovendo! Fico eufórico, infantil, querendo inventar, aprontar, reinar. A chuva transparece a minha curiosidade, floresce as fantasias de garoto.  E, da janela do consultório, fico quieto, observando o reboliço que ela provoca, mudando a cor do dia, sua temperatura, seu cheiro e seu jeito. Ela lava, ela suja; ela molha, ela inunda; ela acalma, ela tumultua; ela estimula, ela destrói. É impulsiva, é impossível, como um menino!

segunda-feira, 14 de março de 2011

Apresentação

Vivendo num mundo cada vez mais veloz, intenso, complexo, sofisticado e cheio de conforto; assistindo e sentindo as mudanças e inquietações decorrentes; observando uma corrida ofegante por uma melhor preparação acadêmica, diante da impressionante competitividade; avaliando pessoas com uma necessidade crescente de identificar deficiências e aumentar o desempenho - físico, sexual, cognitivo, emocional;  defrontando com uma quantidade assustadora de conhecimento proporcionado pela ciência; percebendo a tecnologização da vida, seja no estudo, no lazer, nas relações; temendo a quase iminente violência, que vem aprisionando os livres e deixando os algozes mais a vontade; irritando-se com a danosa ausência de espírito coletivo da maioria dos gestores públicos e com a aparente lerdeza social; desfrutando dos avanços locais (democracia, direitos trabalhistas, aumento da expectativa de vida) e gerais (a maioria das previsões apocalípitcas para o ano 2000 não aconteceram), mas, sobretudo, convicto de que estas e outras situações fazem parte do processo de amadurecimento da divina espécie humana.