domingo, 18 de novembro de 2012

Fazendo história

        Nas duas últimas vezes que fui ao cinema com a esposa, na expectativa de assistir a um bom filme, voltei extremamente frustrado - e até irritado -, diante das produções medíocres apresentadas.  Como frequentemente assistimos à sessão das 21 horas (período que geralmente estou concluindo as atividades para realizar uma outra prazerosa atividade  - dormir ), fico torcendo para que as horas perdidas do meu saboroso sono sejam compensadas com momentos de emoção e reflexão. Entretanto, neste último mês as escolhas foram terríveis, ao ponto de decidir voltar para a casa assim que terminou ... a pipoca (bem antes do final do filme). Bastante desconfiado - pensei até em não comprar a pipoquinha - resolvi nesta última quinta-feira arriscar novamente: comprei o bilhete, entrei na sala, sentei-me na H7, assisti... E foi fantástico! "De Pai Para Filho", um filme realmente arretado, e emocionante! Na biografia de Luiz Gonzaga, a pobreza, a discriminação, as frustrações, as dificuldades, o sucesso, o fracasso e o reencontro com o filho me fizeram até parar de mastigar para acompanhar o desenrolar de uma grande história. Além de ouvir belas canções, relembrar alguns fatos históricos e presenciar uma formidável interpretação do elenco. Fui lembrando também da minha adolescência, quando escutava as músicas do Gonzagão e dançava quadrilha nas ruas e nas escolas, "guardando as recordações" de onde passei e "dos amigos  que lá deixei". A vida de Luiz Gonzaga foi realmente uma grande história, digna de um grande filme, que teve como protagonistas a rudeza, a paixão e o perdão.
        Há algum tempo venho observando com maior interesse as histórias das pessoas e as mudanças de enredo ocorridas nas últimas gerações (ver postagem anterior - Parabéns). Ao assistir à biografia do maior cantor nordestino, bem como de outras pessoas anônimas (pacientes), imagino que certos eventos e comportamentos parecem ser importantes na construção de uma história. Por isso, desejo (e espero estar contribuindo) que meus filhos tenham mais que momentos agradáveis nos seus dias: que eles tenham experiências, pois acredito que estas contribuirão para a formação de alguns valores e atitudes que nortearão os seu caminhos. Que venham as alegrias e tristezas, mas que não falte paixão - pelas pessoas, mas também pelas idéias. E que, como Gonzaguinha, saibam perdoar e ver "que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita, é bonita, é bonita e é bonita". 

domingo, 4 de novembro de 2012

Parabéns


         Na quarta-feira passada, 31 de outubro, fui comemorar com familiares os oitenta anos do meu pai. Embora eu não tenha testemunhado praticamente a metada de sua vida - quando eu nasci ele tinha 37 anos - sei que foram anos de muitas dificuldades: família de poucos recursos financeiros e muitos filhos (mais de 10), com uma mãe especializada nos cuidados maternos e um pai muito habilidoso nos números e nas palavras - orgulhosamente, foi um dos pioneiros no jornalismo alagoano -, mas que precisava trabalhar os três horários para sustentar a casa. Sendo o mais velho dos homens, a responsabilidade com as necessidades do lar foram precocemente assumidas pelo meu velho, que transbordava de disposição e compromisso familiar. Num ambiente com fartura de informações, entusiasmou-se progressivamente pelas leituras diversas, culminando nas graduações de Filosofia e Direito. Nos últimos quarenta anos os desafios e obstáculos continuaram, com significativas perdas (emocionais) e alguns ganhos, mas ele sempre enfrentando com um imenso senso de honestidade e responsabilidade - suas principais características. Sem falar da admirável e inquietante inclinação pelas coisas simples e naturais, e do desapego a ideologias e modismos.
         Tirando as peculiaridades e outras limitações pessoais, a história de meu pai é semelhante à de muitos pacientes idosos por mim atendidos: um início de vida com muitas restrições, em famílias numerosas e geralmente pobres, longos momentos de sofrimento, participação precoce nos serviços de casa, forte espírito de coletividade entre os familiares, a honestidade como vaidade e o sucesso obtido de forma lenta e gradual. Entretanto, num outro grupo de pacientes, tenho escutado o relato de experiências familiares bem diferentes: lares com poucas crianças, com a geladeira e armários abarrotados de alimentos, parentes e funcionários geralmente tentanto satisfazer imediatamente a maioria dos desejos dos menores, um esforço acentuado para manter o filho alegre e impedir o seu sofrimento, pouca (ou nenhuma) colaboração das crianças e adolescentes nas atividades caseiras, a colocação da inteligência e da competitividade como objetivos maiores na formação da prole, e o ato de comprar adquirindo status de principal fonte de prazer.
        Pelo que percebo - e dizem os especialistas - as significativas mudanças econômicas ocorridas nas últimas décadas no país vêm, gradativamente, modificando o nosso comportamento. Embutidos nos novos produtos e serviços, estão os recentes valores sociais: a intensidade, a velocidade e a comodidade. Na relação com as pessoas, objetos e acontecimentos, temos sido influenciados a considerar como positivas as vivências intensas, rápidas e cômodas. Mas, qual o verdadeiro impacto destas modificações no nosso comportamento? Quais habilidades e dificuldades serão fortalecidas? A que tipo de distúrbios ou transtornos estaremos vulneráveis com tais alterações? Contribuirão para favorecer a serenidade e sabedoria, ou a ansiedade e a angústia? Com todos os exgeros e equívocos, parabéns a você meu pai, e a sua geração!