domingo, 26 de fevereiro de 2012

A rotina nossa de cada dia...

     Acordar, escovar os dentes, tomar banho, trocar de roupa, tomar café, usar um transporte (carro, ônibus, metrô),  estudar (trabalhar ou outras providências), usar novamente o transporte, almoçar, estudar (trabalhar ou outras providências), mais um transporte, retornar para casa, trocar de roupa, tomar banho, jantar, desenvolver uma leitura, ver tv e, finalmente dormir. Não sendo necessariamente nesta sequência, estas são - dentre outras - tarefas que realizamos diariamente, ao longo de 70, 80 ou 90 anos. Seja  uma criança, adulto ou idoso, temos sempre que ocupar o nosso tempo, na maioria das vezes com as mesmas tarefas, fazendo uso de habilidades cognitivas, como a memória - curta duração (de trabalho) ou longa duração (declarativa, implícita) - e as funções executivas. Mas durante a nossa vida frequentemente reclamamos da monótona repetição dessas atividades - quase insuportável para os adolescentes -, precisando incluir o lazer nos finais de semana, como praia, cinema, passeio, com o objetivo de evitar o stress da rotina diáriar (só Roberto e Erasmo Carlos conseguiram transformar a rotina em algo apaixonante). Além disso, anualmente necessitamos de umas férias, para também amenizarem o cansaço, os aborrecimentos e as preocupações do cotidiano, como mais uma estratégia para modificar a monótona cadência daquelas atividades. Os dias vão se passando, os anos seguindo e somos surpreendidos com as viroses, pequenos acidentes e até cirurgias, abalando a nossa saúde e nos obrigando a permanecer em casa ou no hospital, impedidos temporariamente de realizar o roteiro de sempre. Curiosamente também ficamos ansiosos e estressados nestes períodos, não vendo a hora da rotina retornar. O tempo passa e, à medida que envelhecemos, aumentamos a possibilidade de desenvolvermos quadros demenciais - como Alzheimer - e, com isso, uma progressiva limitação na realização das atividades cotidianas. O déficit na memória, principal prejuízo cognitivo nos quadros degenerativos, começa a comprometer o desempenho funcional, ao ponto de não lembrar de escovar os dentes ou tomar banho, de vestir a mesma roupa após a higiene, esquecer os horários da medicação, programas de tv assistidos, conversas com familiares ou eventos presenciados. Uma filha ou esposa precisam lembrar o idoso que ele não tomou banho naquele dia, que está vestindo uma roupa suja, que não faz muito tempo que seu filho o visitou e que teria lhe falado várias vezes da consulta médica do dia seguinte (se antes o que aprisionava o indivíduo era a rotina, agora é a dificuldade de segui-la; para a saúde, o que a colocava em risco na juventude é indicativo de plenitude, na velhice). Situação complicada para o paciente e familia, não só pelas modificações que serão cada vez mais necessárias no gerenciamento das tarefas (financeiras, controle de medicamentos, saídas de casa), possibilidade de um cuidador profissional,  adaptações físicas na residência (ou até mesmo mudança), mas, principalmente, pelas alterações nas relações, ocasionando sentimentos incômodos para todos. Daí a importância da participação dos que estão ligados legal e afetivamente -  filhos, cônjuge, irmãos, sobrinhos - no diagnóstico e tratamento, bem como no atendimento das necessidades diárias, não só de alimentos, remédios, higiene e consultas, mas também de interação e de bons momentos; de preferência, rotineiros.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A perda de uma inteligência privilegiada

     Desde o final da minha adolescência vinha escutando suas músicas, inicialmente em disco de vinil e fita K7, depois em cd, DVD e pen drive. Apesar de gostar da música nacional  - Roberto Carlos (preferencialmente as músicas antigas), Djavan, Fagner, Luis Gonzaga, Kid Abelha, Martinho da Vila e vários outros -, a música internacional sempre teve um lugar de destaque nos meus momentos de ouvir um som. Mesmo considerando a histórica e intensa influência da cultura norte-americana no nosso país e, consequentemente, nas nossas preferências, a minha inclinação em escutar faixas numa língua pouco ou até desconhecida – correndo o risco de está perdendo o tempo com uma peça textualmente rudimentar - é também uma necessidade de fazer da música mais um momento de contemplação do que de reflexão: esvaziar a mente e preenchê-la com o arranjo harmônico da voz humana com os instrumentos musicais. A maneira como ela manipulava os sons parecia que estava brincando, com tanta versatilidade e refinamento vocal que poderia até dispensar o acompanhamento e, mesmo assim, hipnotizava quem a escutasse. Numa voz extraordinária, o seu cantar arrepiava - como em "I Will Always Love You" -, modificando as ondas elétricas cerebrais de qualquer um. Era o canto de uma sereia!. Estou falando de Whitney Houston, artista norte-americana falecida no último dia 11, aos 48 anos de idade e sepultada ontem em Nova Jersey (EUA). Uma cantora que  teve a  morte antecipada possivelmente pelos problemas com o uso de drogas - assim como outras milhares de pessoas em todos os continentes, menos famosos, mas também muito queridas pelos seus familiares e amigos. Uma diva da música que espantou os males de milhões de ouvintes com destreza nas cordas vocais, com a sua inteligência particular, mas afogou-se nas próprias dificuldades. Passamos bons momentos juntos e, em vários deles, fui compreendendo (acho) o fenômeno da inteligência - assim também quando acompanhava o desempenho de pessoas no esporte, nas artes, na ciência. Um tema que tem provocado divergências ao longo da história, com entendimentos ora mais ora menos abrangentes  mas, nos  últimos anos, tem se fortalecido na hipótese da existência de inteligências múltiplas (Gardner, 1985): linguística, lógico matemática, cinestésica, interpessoal, intrapessoal e musical. Entretanto, seja com movimentos, números, emoções, palavras ou sons, compreendo que um ato inteligente precisa obrigatoriamente envolver duas etapas: compreensão e manipulação. A compreensão,  com uma ampla e eficiente capacidade de percepção e discriminação de estímulos (visuais, auditivos, táteis, olfativos, gustativos, cinestésicos, emotivos) e a manipulação, com o manuseio criativo destes estímulos, transformando-os num drible desconcertante, na elaboração de um texto emocionante ou na interpretação musical impecável. É improvável que uma pessoa com inteligência cinestésica tenha restrições na percepção das nuances dos movimentos corporais, que um exímio escritor ou jornalista tenha déficit em diferenciar semântica e fonologicamente as palavras ou que uma cantora como Whitney não conseguisse discriminar, explícita ou implicitamente, as notas musicais, com suas oitavas e sustenidos. Não se pode manipular com excelência (e com isso resolver problemas) o  que não é compreendido, discriminado. Mas, como compreender a perda prematura de  W.H. e de outros que contribuíram para o nosso bem estar?  Minha limitada capacidade intelectual não é suficiente para resolver um problema desta dimensão,  restando apenas continuar me deleitando com  suas músicas, e que ela descanse em paz...

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Pequenas escolas, melhores oportunidades, grandes cidadãos

      Antes de entrar no lava jato, precisando dá um destino para umas moedas que tanto barulho faziam no carro, parei numa barraquinha de balas e pipocas e ofereci as pratas em troca de cédulas, acreditando que o vendedor teria interesse nelas para facilitar o troco. Estranhei quando ele me respondeu que não queria as moedas (geralmente os comerciantes as procuram), mas impressionado mesmo fiquei quando ele me justificou, respondendo  que não tinha ainda R$ 6,00 (seis reais) para trocar comigo. No caminho, ainda envergonhado com aquela realidade social, trafegando numa rua de casas bem simples, observei outros inúmeros pequenos comerciantes na própria casa, transformando a garagem, a sala ou o jardim num balcão de negócios. Encontrei de tudo: lanches, bebidas alcoólicas, cigarros, gás, água mineral, miudezas, frutas, verduras, entre outras coisas. Porém, mais do que a variedade de produtos oferecidos, o que me chamou atenção foi a quantidade de vendas (local de pequeno comércio) encontradas numa única rua; a concorrência era acirrada! Rapidamente me lembrei das pesquisas do Sebrae sobre a falência prematura de empresas nos primeiros anos, por falta de planejamento, conhecimento do mercado... Fiquei imaginando então a fragilidade destas “empresas caseiras” e, embora desconhecesse os dados estatísticos deste contexto, apostei que a maioria era insustentável economicamente. Com os meus botões, tentei enfatizar o esforço das pessoas em tentar aumentar a renda familiar, mas não foi suficiente para impedir o pesar do provável fracasso comercial de tantas famílias. E pensar que outras pessoas, recebendo indenizações, PDV, empréstimos, FGTS iniciam repentinamente um negócio e, pouco tempo depois, lucram apenas dívidas e frustrações. Não raro a reduzida escolaridade e transtornos cognitivos não diagnosticados também são encontrados neste grupo de trabalhadores. Vale lembrar que as capacidades mentais – inteligências, linguagem, memórias, funções visuoespaciais e executivas – são necessárias não só na resolução de problemas matemáticos e filosóficos na sala de aula, mas também na identificação de problemas, no planejamento, execução e monitoramento das soluções da vida, sendo decisivas no desenvolvimento das relações afetivas, sociais e profissionais. E vai mais além: na edição de fevereiro da Revista Mente e Cérebro, o artigo “inteligência para viver mais” afirma que “quanto mais baixo o nível intelectual de uma pessoa, maior o risco de ela ter uma vida mais curta, desenvolver doenças físicas e mentais e morrer de problemas cardiovasculares, suicídio ou acidente”.  Já nas pesquisas sobre Demência de Alzheimer, não é novidade que a baixa escolaridade é um fator de risco para o desenvolvimento da síndrome. Por isso a escolarização, além de promover justiça social - permitindo um ganho superior aos míseros  R$ 6,00 por meia diária -, é a maior possibilidade de aprimoramento das habilidades mentais e, sua restrição resulta em vulnerabilidades físicas e psicológicas; provoca um grande desperdício de economias e, sobretudo, de potencial humano.