domingo, 24 de junho de 2012

Precisa-se de explicações

Depois de vários anos, uma mãe me procurou no consultório para reiniciar a avaliação com seu filho que, desde aquela época - com três anos de idade -, já apresentava um comportamento atípico. O garoto retornou esta semana, após sete anos de sucessivos tratamentos, mas com pouco progresso acadêmico e social, segundo a genitora. Emocionada, disse que estava muito angustiada, não só pelo comprometimento dele na aprendizagem e no convívio com os pares, mas, sobretudo, pela falta de informações esclarecedoras e pela ausência de diagnóstico do seu filho. Mesmo atuando na área da saúde e procurando diariamente conhecer os transtornos de aprendizagem, escutar este relato, sendo pai também de uma criança especial com diagnóstico ainda indefinido, fez com que eu compreendesse perfeitamente o sofrimento da mãe. A informação, por pior que seja, confere uma dimensão à situação, ou seja, um tamanho do que se tem a enfrentar. Na ignorância, por não termos o conhecimento, o problema não tem limite: não sabemos onde ele começa e onde termina. Talvez por isso geralmente a informação obtida proporciona, em algum momento, a sensação de segurança e, a sua ausência, mal estar. Não há como negar, precisamos muito de informações, desde aquelas que atendam as necessidades mais imediatas (diagnóstico de doença, definição da melhor opção na compra de uma casa ou automóvel, seleção de pessoas qualificadas para o serviço, desenvolvimento de práticas econômicas sustentáveis), até as necessidades mais abstratas (escolha de valores morais, existenciais e transcendentais).
        De acordo com as características individuais e da sensibilidade de cada um, procuramos conhecer os fenômenos que ocorrem próximos ou distantes de nós. No cotidiano, diante de eventos pessoais (tristeza persistente, doenças, acidentes, prejuízo financeiro), sociais (guerras, crise financeira, governos ditatoriais), naturais (aquecimento global, extinção de espécies) e cósmicos (expansão do universo, matéria escura, buracos negros e de minhoca), procuramos os jornais, revistas, livros, amigos, especialistas e líderes espirituais para amenizar o desagradável desconhecimento. Quando não conseguimos, frequentemente ficamos ansiosos ou angustiados (pessoalmente, é muito raro não questionar o porquê, ao amanhecer acentuadamente mais animado ou irritado, quando presencio o sepultamento de um ente querido ou amigo, ao assistir ao noticiário da morte de mais de duzentas mil pessoas na Indonésia - tsunami -, quando informado da queda de uma enorme árvore que matou um jovem motorista num dia chuvoso, ao ler nos jornais os frequentes escândalos políticos de corrupção...). Somos tão necessitados de informação que algumas vezes adquirimos conteúdos até por imitação. Somos tão sedentos de dados que, mesmo sendo agricultores, cientistas ou religiosos, utilizamos para as nossas decisões, conscientemente ou não, em maior ou menor intensidade, todas as formas de conhecimento: empírico, filosófico, teológico e científico. Porque é mais confortável ter uma certeza duvidosa do que uma dúvida certa.
        Porém, em muitas situações, que envolvem relação entre pessoas - marido e mulher, pais e filhos, professor e aluno, padre e fiel, profissional e paciente -, ser informado, ou seja, tomar conhecimento de algo não é suficiente para sentir-se confortado e compreender a realidade. Mais do que informar, é fundamental explicar: personalizar a informação, adaptá-la às características do outro, ter o compromisso de se fazer entender e de clarificar. A informação é impessoal, a explicação não. E justamente nos períodos de angústia - como daquela mãe do paciente - que precisamos mais de explicações do que informações. É o que eu vou tentar fazer com ela, mesmo sabendo que, para muitas indagações, não existirão explicações...
     
     

domingo, 10 de junho de 2012

Ilusões

      Ontem pela manhã estava na loja de um amigo de sela, conversando sobre algumas dificuldades que envolviam o tratador dos nossos cavalos quando, inesperadamente, ele me convidou para conhecer um produto diferente. Por ser proprietário de uma padaria, fiquei imaginando que seria um novo tipo de pão ou  bolacha que acabara de lançar mas, quando me apresentou uma terceira pessoa, pedindo para que fosse me mostrar a novidade, pensei: acho que já vi este filme antes. Com a chegada de um outro amigo nosso, fomos para o escritório, onde os divulgadores realizaram os preparativos, ligaram o computador e começaram a demonstração: tratava-se da divulgação de uma bebida que, segundo a extensa exposição, tinha na composição apenas ingredientes naturais, em várias versões - para o emagrecimento ou como suplemento energético. Destacaram que, além de consumir  um alimento saudável, o cliente teria ainda a grande oportunidade de ganhar dinheiro, sendo um distribuidor do produto. Sentado na cadeira, observei que a estratégia de marketing iniciou com uma refinada apresentação visual do apresentador, além de um discurso emocionante e cuidadoso com as palavras, "fundamentado" com informações de revistas semanais e noticiários, ilustrado com gráficos coloridos, fotos de celebridades e frases aspeadas. Mas, sem dúvida, o grande finale ficou por conta das imagens que mostraram o ganho financeiro progressivo, premiações com viagens e presentes, novas amizades e a possibilidade de se tornar um milionário, ser uma pessoa de sucesso e feliz - the end. É, realmente eu já tinha visto este filme antes, com produtos e personagens diferentes, mas com a mesma expectativa e euforia iniciais. Durante a reunião, quando perguntei sobre a existência de pesquisas científicas que indicassem o benefício do produto, a resposta que tive foi que não havia evidências, mas que os efeitos na saúde seriam sentidos durante o seu uso. Destoante da versão hollywoodiana assistida, o enredo se mostrou bem diferente para os meus conhecidos que seguiram esta trilha no passado, não conseguindo realizar o grande sonho americano. Por isto, saí da sessão preocupado com o meu amigo, um jovem trabalhador, responsável e correto nas suas atitudes, que desempenha uma atividade profissional desgastante - comércio -, mas que está deslumbrado com um novo script de vida, que promete maior remuneração e menor carga horária de trabalho. O seu entusiasmo me intimidou, inicialmente, a convidá-lo a fazer uma pesquisa rápida na web sobre vendas em pirâmides e empresas de marketing multinível - MMN - (Quem ganha? Por quanto tempo? A que custo?), com o objetivo de fazer uma crítica mais lúcida do empreendimento. Mas, escrevendo estas linhas, resolvi correr o risco e trocarmos uns emails sobre o assunto, tentando distinguir ficção e realidade da propaganda, mas também da minha observação.
      Apesar de acreditarmos que em muitas situações diárias utilizamos uma percepção mais racional (ou menos emotiva?) e, por isso, mais aproximada da realidade (fazendo uso de dados objetivos, analisando a relação custo/benefício, considerando as probabilidades e as experiências anteriores), em outros momentos certamente nossos medos e desejos nos fazem "esquecer" as evidências contrárias, dando-nos a certeza  da decisão - seja na descoberta de um negócio fabuloso, no relacionamento com uma pessoa extraordinária, na compra de algo incrível ou na aquisição de um conhecimento esclarecedor. São distorções que aumentam ou diminuem certos aspectos da percepção, de acordo com as motivações pessoais mais relevantes. São as inevitáveis, agradáveis ou dolorosas ilusões. E, geralmente, onde há ilusão, há convicção: nos mais otimistas, que tendem a negligenciar os obstáculos, interpretando até como comédia os acontecimentos desagradáveis, e nos pessimistas de plantão, que desqualificam as vitórias, repetindo e destacando as cenas dramáticas das experiências. Quanto mais tristes - ou mais alegres - nos sentirmos, provavelmente mais iludidos e distantes da realidade estaremos. Mas, quem disse que precisamos estar sempre tão perto dela? Assim como assistimos aos filmes e nos emocionamos - sorrindo ou chorando -, mesmo sabendo do seu caráter fantasioso e que terá fim em duas horas, também poderíamos viver os acontecimentos cotidianos - deleitando ou sofrendo - da mesma maneira, lembrando que podem estar exagerados e que serão transitórios.
      Mas o que fazer em relação ao uso comercial e abusivo das ilusões, seja com produtos inócuos, serviços ineficazes e informações inadequadas, recrutando uma maioria para o benefício e satisfação de poucos? Se eu não estiver enganado, com reflexão, inicialmente.