domingo, 10 de junho de 2012

Ilusões

      Ontem pela manhã estava na loja de um amigo de sela, conversando sobre algumas dificuldades que envolviam o tratador dos nossos cavalos quando, inesperadamente, ele me convidou para conhecer um produto diferente. Por ser proprietário de uma padaria, fiquei imaginando que seria um novo tipo de pão ou  bolacha que acabara de lançar mas, quando me apresentou uma terceira pessoa, pedindo para que fosse me mostrar a novidade, pensei: acho que já vi este filme antes. Com a chegada de um outro amigo nosso, fomos para o escritório, onde os divulgadores realizaram os preparativos, ligaram o computador e começaram a demonstração: tratava-se da divulgação de uma bebida que, segundo a extensa exposição, tinha na composição apenas ingredientes naturais, em várias versões - para o emagrecimento ou como suplemento energético. Destacaram que, além de consumir  um alimento saudável, o cliente teria ainda a grande oportunidade de ganhar dinheiro, sendo um distribuidor do produto. Sentado na cadeira, observei que a estratégia de marketing iniciou com uma refinada apresentação visual do apresentador, além de um discurso emocionante e cuidadoso com as palavras, "fundamentado" com informações de revistas semanais e noticiários, ilustrado com gráficos coloridos, fotos de celebridades e frases aspeadas. Mas, sem dúvida, o grande finale ficou por conta das imagens que mostraram o ganho financeiro progressivo, premiações com viagens e presentes, novas amizades e a possibilidade de se tornar um milionário, ser uma pessoa de sucesso e feliz - the end. É, realmente eu já tinha visto este filme antes, com produtos e personagens diferentes, mas com a mesma expectativa e euforia iniciais. Durante a reunião, quando perguntei sobre a existência de pesquisas científicas que indicassem o benefício do produto, a resposta que tive foi que não havia evidências, mas que os efeitos na saúde seriam sentidos durante o seu uso. Destoante da versão hollywoodiana assistida, o enredo se mostrou bem diferente para os meus conhecidos que seguiram esta trilha no passado, não conseguindo realizar o grande sonho americano. Por isto, saí da sessão preocupado com o meu amigo, um jovem trabalhador, responsável e correto nas suas atitudes, que desempenha uma atividade profissional desgastante - comércio -, mas que está deslumbrado com um novo script de vida, que promete maior remuneração e menor carga horária de trabalho. O seu entusiasmo me intimidou, inicialmente, a convidá-lo a fazer uma pesquisa rápida na web sobre vendas em pirâmides e empresas de marketing multinível - MMN - (Quem ganha? Por quanto tempo? A que custo?), com o objetivo de fazer uma crítica mais lúcida do empreendimento. Mas, escrevendo estas linhas, resolvi correr o risco e trocarmos uns emails sobre o assunto, tentando distinguir ficção e realidade da propaganda, mas também da minha observação.
      Apesar de acreditarmos que em muitas situações diárias utilizamos uma percepção mais racional (ou menos emotiva?) e, por isso, mais aproximada da realidade (fazendo uso de dados objetivos, analisando a relação custo/benefício, considerando as probabilidades e as experiências anteriores), em outros momentos certamente nossos medos e desejos nos fazem "esquecer" as evidências contrárias, dando-nos a certeza  da decisão - seja na descoberta de um negócio fabuloso, no relacionamento com uma pessoa extraordinária, na compra de algo incrível ou na aquisição de um conhecimento esclarecedor. São distorções que aumentam ou diminuem certos aspectos da percepção, de acordo com as motivações pessoais mais relevantes. São as inevitáveis, agradáveis ou dolorosas ilusões. E, geralmente, onde há ilusão, há convicção: nos mais otimistas, que tendem a negligenciar os obstáculos, interpretando até como comédia os acontecimentos desagradáveis, e nos pessimistas de plantão, que desqualificam as vitórias, repetindo e destacando as cenas dramáticas das experiências. Quanto mais tristes - ou mais alegres - nos sentirmos, provavelmente mais iludidos e distantes da realidade estaremos. Mas, quem disse que precisamos estar sempre tão perto dela? Assim como assistimos aos filmes e nos emocionamos - sorrindo ou chorando -, mesmo sabendo do seu caráter fantasioso e que terá fim em duas horas, também poderíamos viver os acontecimentos cotidianos - deleitando ou sofrendo - da mesma maneira, lembrando que podem estar exagerados e que serão transitórios.
      Mas o que fazer em relação ao uso comercial e abusivo das ilusões, seja com produtos inócuos, serviços ineficazes e informações inadequadas, recrutando uma maioria para o benefício e satisfação de poucos? Se eu não estiver enganado, com reflexão, inicialmente. 

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