sábado, 26 de março de 2011

Mais que inteligente

Frequentemente quando estou iniciando uma avaliação neuropsicológica em crianças ou adolescentes, com problemas na aprendizagem, escuto os pais - principalmente o pai - afirmarem enfaticamente: "mas meu filho é muito inteligente!" Num processo avaliativo, seja ele acadêmico, profissional ou psicológico, é natural que ocorra um estado de apreensão, de ansiedade, levando a um comportamento de proteção dos genitores. Mas além desta e outras possíveis considerações subjetivas, percebo também em muitas famílias a crença que a atividade mental se resume na inteligência, e que ela é a protagonista  da qualidade do comportamento humano. É como se o fato de ser inteligente fosse o  mais importante para o sucesso do filho na vida. Mas a inteligência - geralmente a habilidade lógico-matemática - não é a única responsável por uma vida de realizações e feliz. Todos nós conhecemos ou ouvimos falar de pessoas "bem inteligentes", mas que não se deram muito bem. O comportamento humano adequado resulta da harmonia de várias habilidades emocionais e cognitvas, como a percepção, atenção, linguagem, funções visuoespaciais, memória, funções executivas, e inteligência. O refinamento funcional destas ferramentas mentais depende de fatores genéticos e ambientais, podendo - em algumas crianças - apresentar-se isoladamente ou amplamente prejudicadas. A dislexia, discalculina, disortografia, déficit de atenção, dentre outros, são transtornos focais, que envolvem uma ou poucas habilidades (leitura, cálculo, escrita e atenção, respectivamente), mas com a maioria das demais funções cognitivas preservadas. O retardo mental, por sua vez, apresenta comprometimento na maioria das funções (percepção, inteligência, funções executivas, funções visuoespaciais), com poucas habilidades sem manifestar déficit (memória e/ou linguagem). Mas, mesmo em pessoas que não apresentam transtorno ou retardo mental, a disposição das funções cognitivas é personalizada e não homogênea, ou seja, Marina pode ter a atenção e memória medianas, a inteligência superior e  a linguagem diminuídas, enquanto que Júlio a inteligência mediana, a atenção, funções executivas e memória superiores e funções visuoespaciais diminuídas. Uma outra característica fundamental do funcionamento mental é "hierarquia" das funções, onde um estímulo - uma aula - antes de ser memorizada, precisa da motivação, atenção e da compreensão (percepção). Percebe-se então a complexidade do comportamento humano e o fato de que, ser apenas inteligente não é suficiente para um desempenho satisfatório no ambiente familiar, escolar, social e profissional. Inúmeras pessoas, bem dotadas intelectualmente, com transtorno apenas na atenção e/ou na leitura, muitas vezes rotuladas de preguiçosas, tem sido excluídas pelo desconhecimento e pelo preconceito. O pior rótulo, o que causa dano efetivo à vida de uma pessoa, não é o de hiperativo ou disléxico, mas o de fracassado e incapaz. Sejamos então inteligentes o suficiente para percebermos o problema,  lidarmos com a frustração decorrente e buscarmos o conhecimento adequado.

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