domingo, 31 de julho de 2011

Consumidores na vida

      Recentemente numa festa de família dois irmãos conversavam sobre os acontecimentos da semana, falavando o que tinha ocorrido em casa, no trabalho, bem como os fatos mais noticiados envolvendo  política, violência, economia. Em seguida, de uma maneira mais entusiasmada, começaram a falar dos eventos mais interessantes, das suas aventuras recentes: um deles, radiante, falou que fez um passeio de 400 km com os dois filhos, numa tarde de sexta-feira, após sair do trabalho e os filhos da escola, para adquirir celas e arreios para os três cavalos que comprara há duas semanas. O outro, eufórico, disse que iniciou um novo rumo nos seus investimentos, procurando pela primeira vez uma agência ligada à bolsa de valores e comprando ações por um preço baixo e que, segundo ele, poderá ter bons rendimentos com esses títulos. Na mesma mesa parentes e amigos trocavam experiências agradáveis ou o desejo de tê-las: viagens, compras (vestuário, eletrônicos), bens (veículos, imóveis), etc. À medida que relatavam as experiências, também comentavam os problemas ocorridos na aquisição do bem ou na utilização do serviço, como objetos com defeitos, extravio de bagagens, mau atendimento de funcionários, dentre outros, ao ponto de alguns terem procurado instituições para reivindicarem os direitos de consumidor, como o Procon. Observando o desejo e a satisfação dessas pessoas pelos produtos e também pelas experiências, gostaria de ampliar a compreensão da palavra consumidor, a fim de incluir não só as relações comerciais, mas também as existenciais. Vejamos: todo dia levantamos e consumimos alimento nas refeições, sensação de pertenciamento nas interações sociais, conhecimento na escola, realização e prestígio no trabalho, diversão no lazer. Passamos a vida toda, através das nossas escolhas, consumindo - ou tentando consumir - alimentos, sexo, conhecimento, emoções, relacionamentos, ascenção, etc.  Como seria se  antes de qualquer experiência tivéssemos acesso à descrição dos ingrediantes ou componentes, orientações de uso, resolução de problemas, garantia e validade? Se diante de uma situação prazerosa fosse dito com letras garrafais que ela causaria doença grave da existência? Ou que na bula de um determinado sofrimento ou decepção tivesse a descrição das propriedades medicinais do evento? Sonhamos e planejamos novos consumos para a semana seguinte, ano que vem ou, para quem sabe, um dia... Após algumas décadas envelhecemos agradecidos, saudosos ou frustrados pelo que consumimos durante a vida.  A realidade é que a vida não vem com manual de instruções, nem com um "código do consumidor". Reclamações também não modificarão a situação. Talvez então fosse interessante estimularmos a consciência de que somos sempre consumidores, seja quando compramos uma televisão ou escolhemos uma profissão, ao contratarmos um mecânico ou planejarmos nosso final de semana, quando direcionamos capital para investimentos ou nos dedicamos ao autoconhecimento. Quem  sabe se desta forma não ficaremos mais habilidosos em perceber, nos acontecimentos cotidianos, a qualidade do que estamos consumindo?

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