domingo, 14 de agosto de 2011

Preservando a família

     Saboreando os olhares e  os abraços carinhosos dos meus três filhos neste domingo dos pais, fiquei quieto e me divertindo ao ver alguns comportamentos neles que acredito serem meus: o interesse por instrumentos musicais, a intensa necessidade de frutas na alimentação,  dormir com os olhos vendados, o prazer do contato com cavalos e com a natureza. Ainda bem que na socialização "puxaram à mãe", porque se dependessem da minha habilidade social... É claro que vários outros comportamentos deles têm  influência dos pais - genética ou psicológica -, favorecendo não só as suas virtudes mas também as suas limitações mas, sendo hoje o meu dia, sinto-me no direito de me embriagar com algumas doses de vaidade paterna, comentando apenas algumas influências que considero positivas. Mesmo morando na cidade, em apartamento, o gosto pelo ambiente rural - contato com animais e plantas - é uma das características mais marcantes da minha família. Já no meu tempo de criança o quintal da casa e as árvores eram o playground, e os animais - galinhas, cágado, mocó, peixe, cachorro, sagui - faziam parte do entretenimento, mas também das responsabilidades (alimento, banho, limpeza). Possivelmente nesta fase nasceu o meu interesse em observar comportamentos. Lembro que certo dia, querendo enfeitar o aquário com vários peixes e ornamentos, um criador experiente me falou da importância de se criar um ambiente equilibrado quimicamente (evitasse materiais e objetos que tornassem a água muito ácida ou muito alcalina) e no relacionamento entre os peixes (optasse por espécies que convivessem sem agressividade). Foi a primeira vez que ouvi alguém destacar a dificuldade e a importância de se criar e manter um ambiente em harmonia. Mais tarde, iniciando o curso de biologia, o equilíbrio e a influência mútua voltaram a ser os destaques no estudo  da biodiversidade. Nesses últimos anos, assistindo aos vários documentários sobre mamíferos e primatas, a complexidade das relações entre os membros num determinado habitat, seja nas árvores, em tocas ou num determinado território da savana africana tem me deixado perplexo. Comportamentos tradicionalmente classificados como exclusivos de pessoas, dos mais egoístas aos altruistas,  são cada vez mais identificados nos animais.
     Como pai e psicólogo, acompanhando as inúmeras mudanças que vêm acontecendo na família, tenho frequentemente me questionado sobre aquele equilíbrio e as repercussões nesse primeiro núcleo social formado, primeiramente, por duas pessoas com histórias de vida diferentes, condutas distintas, pensamentos e sentimentos nem sempre convergentes, e que precisarão de um tempo para se ajustarem. Quando nasce o filho, uma nova ordem se estabelece em casa, com novos objetivos, desejos e interações, formando então um ambiente complexo - psicodiversidade - que, como todo ambiente, irá buscar o equilíbrio. No entanto, outras situações, às vezes inevitáveis, podem provocar alterações: a saída do pai (ou da mãe) e a entrada do padrasto (ou madrasta) na separação, com a inclusão dos enteados no mesmo ambiente;  a permanência dos filhos na casa de familiares (tios, avós) por turnos, dias e até semanas, num ambiente diferente, com pessoas e costumes próprios; o espaçamento das reuniões familiares diante do excesso de atividades dos responsáveis e da correria do cotidiano; a extinção de hábitos alimentares, de estudo e de sono pela crescente terceirização das responsabilidades do lar. E o equilíbrio da psicodiversidade? Se a capacidade de planejar e modificar o próprio comportamento através da reflexão é uma realidade no comportamento do indivíduo, a história evolutiva da humanidade e a consequente arqueologia mental também  não podem ser ignoradas. Sendo assim, continuemos a procurar um local seguro para os nossos filhotes, a lamber a nossa cria rotineiramente, a coçar sua cabeça e retirar os piolhos, a ensiná-la a caçar, a orientá-la a fugir quando preciso e lutar quando necessário, e procurar uma boa sombra para ficarmos amontoados. E, como pai, deixemos também florescer o sentimento de posse e cuidado: esta é a minha família! Em seguida sejamos decisivos, embora com a colaboração de parentes e até funcionários, na construção do equilíbrio do nosso canto, adaptá-lo quando necessário, mas sobretudo defender, com unhas e dentes, a preservação da intimidade familiar.

Um comentário:

  1. Belo texto, Jerônimo!

    A gaúcha aqui não sabia o que é um mocó, mas peocurou na web e descobriu o bichinho e a origem do termo "mocozado"...

    Abraço calorosamente saudoso, apesar do frio que faz nesta terra!

    ResponderExcluir