domingo, 27 de maio de 2012

Tic tac

      As mudanças físicas - cabelos brancos, dificuldade visual para leitura, marcas de expressão no rosto - estão se tornando cada vez mais visíveis aos 42 anos de idade, avisando-me que a juventude passou. Mesmo agradecido pela ausência de hipertensão, diabetes e outros problemas de saúde que podem  surgir nesta idade, começo a visualizar o rastro do tempo. Curioso é que, internamente, parece que as modificações são menos evidentes, embora venha usufruindo de um maior aproveitamento das situações, evitando os pensamentos desnecessários - situação mais difícil com menos idade. Nos meus vinte e poucos anos ouvia - e não entendia - minha mãe dizer que era estranho ver o corpo sofrendo mudanças, mas a mente permanecendo sem maiores alterações.  Nos últimos quinze anos, fazendo avaliações cognitivas em pessoas com mais de 50 anos, continuo a escutar a mesma coisa: o esquisito, desafiador ou desagradável descompasso entre o envelhecimento físico e o psicológico - ao que parece, os desejos e os medos são mais resistentes que os músculos e órgãos à passagem dos dias.
       Esta semana uma senhora levou para a consulta algumas fotos suas e fez questão de me mostrar, na sequência dos acontecimentos: aos 15 anos, com a farda do colégio; na plenitude da sua morenice, aos 20; com 37, rodeada dos filhos; e aos 50,  numa reunião com colegas de trabalho. Em seguida, olhei para a frente e, numa outra fotografia, a vi com 71 anos, com um derrame facial e com a fisionomia naturalmente bastante diferente dos momentos anteriores. Por alguns instantes parei... e vi o tempo diante de mim!
      Até o final da adolescência as intensas mudanças no desenvolvimento corporal, com o esplendor da força e da destreza, seguem um ritmo semelhante ao das alterações comportamentais, com acentuada ousadia e prontidão mental. Ou seja, para um corpo diferente, uma nova mente. Contudo, esta simultaneidade parece não continuar após a juventude e os ritmos entre corpo e mente tendem a se diferenciar nos cinquentões. Apesar dos grandes avanços da medicina - adiando a deterioração do organismo -, e do surgimento de uma nova compreensão e atitude na terceira idade - levando pessoas a continuarem a realizar projetos pessoais e profissionais para além das seis décadas de vida -,  cedo ou tarde teremos que considerar a realidade: envelhecemos. É o inexorável fluxo dos acontecimentos que vivenciamos todos os dias, da infância  à vida adulta, do despertar para ir à escola ou o trabalho, ao anoitecer e retornar para a segurança do lar. Envelhecer é um fenômeno contínuo, que tem um início exuberante, com muitas e intensas aquisições - físicas e mentais -, mas que são gradualmente (ou não) subtraídas (embora algumas habilidades possam permanecer por toda a vida).  A perda se apresenta como uma companhia frequente à medida que o envelhecimento se torna acelerado, comprometendo o funcionamento de determinados órgãos e sistemas, a mobilidade, a autonomia, o poder de decidir ou de interagir (sem falar das outras perdas, envolvendo familiares, amigos e remuneração).
       Embora transpareça algo amedrontador, não percebo - até o momento - o terço final da vida como uma fase trágica, e não tenho a menor intenção de desestimular os que entraram (ou entrarão) para o grupo dos "enta" - cinquenta, sessenta, setenta. Ao contrário, estou convencido da beleza e da utilidade da velhice no aprimoramento de uma pessoa e de uma comunidade, mas sem deixar de reconhecer os vários e relevantes incômodos do período. Não se pode, no curso natural, interromper ou evitar o envelhecimento, mesmo com os diagnósticos precoces, medicamentos eficientes, cirurgias transformadoras, exercícios físicos regulares, alimentação adequada. Por isto, estando aproximadamente na metade do caminho e tendo a possibilidade (privilégio) de participar  das experiências dos pacientes, não posso desperdiçar a oportunidade: vou tentar tirar proveito das suas dores e prazeres, para me orientar no trecho final do meu percurso, mas sem pressa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário