domingo, 1 de setembro de 2013

A psicologia na sala de aula

      É comum pessoas me questionarem se o mais desgastante no trabalho do psicólogo é ouvir, o dia todo, os problemas dos outros.  Embora merecesse considerações, escutar constantemente as queixas cognitivas (esquecimento, desatenção) e emocionais (ansiedade, desânimo) não é necessariamente tão angustiante como se imagina. O contato continuado com o conhecimento (aprendizado dos métodos e técnicas psicológicas) instrumentaliza e habilita o profissional a intervir adequadamente, assim como acontece com o advogado, engenheiro, professor e médico.
      Entretanto, há uns dias atrás tivemos um momento difícil, ao tentarmos informar um pai sobre o transtorno de aprendizagem que seu filho apresentava e as habilidades e desvantagens identificadas no garoto. Tentamos ainda relacionar as atitudes e hábitos importantes no tratamento. Provavelmente motivado por questões subjetivas, o responsável resistiu a quase toda informação que lhe era fornecida, detendo-se no irrelevante e desconsiderando o essencial. Fiquei, por um tempo, assistindo àquela pessoa, percebendo o seu sofrimento e, consequentemente, a sua defesa por trás da armadura (o fato de possivelmente apresentar o mesmo transtorno do filho deve ter fortalecido sua resistência). As palavras, ditas de várias maneiras e por diferentes pessoas, não encontravam brecha na trincheira emocional daquele pai. Mesmo acreditando que talvez ainda não tenha sido o momento dele lidar adequadamente com a situação, considero - esta sim! - uma situação bastante incômoda na prática psicológica, pelas consequências, geralmente danosas, ao paciente e à própria família.
      Aproveitando que nesta semana foi comemorado o dia do psicólogo (27 de agosto), não poderia deixar de levantar outras possibilidades, não apenas sobre o que foi relatado, mas também  as dificuldades que todos enfrentamos no cotidiano, diante da nossa inabilidade em lidar com certas situações. Diferente da medicina, que é milenar,  a psicologia é uma ciência bastante recente e, no Brasil, tem apenas 51 anos. Entretanto já vem ocupando espaço em praticamente todas as áreas de atividade  humana, como na saúde (psicologia clínica, hospitalar, neuropsicologia), educação (psicologia escolar, psicopedagogia), transporte (psicólogo do trânsito), segurança (psicologia jurídica), esporte (psicologia do esporte), comunidade (psicologia social). Até nos postos municipais de saúde encontramos profissionais que realizam atendimento psicológico gratuito. Mas ainda há muito o que fazer como, por exemplo, popularizar o conhecimento da mente. Não se trata de ensinar técnicas psicológicas as pessoas em geral, transformando-as em discípulas de Freud e cia, mas sim de disponibilizar para a população informações gerais - mas acredito, de grande utilidade - dos fenômenos psicológicos como a motivação, atenção, percepção, decisão e memória.
      Mais uma vez é interessante citar a história da medicina, que aperfeiçoou seus procedimentos, aumentou a expectativa de vida das pessoas, ao mesmo tempo em que disponibilizou alguns de seus conhecimentos, através da educação. O estudo dos sistemas do corpo humano, seus órgãos e funcionamento faz parte do conteúdo programático de todo estudante, de forma repetitiva. Nas disciplinas escolares aprendemos não só como funciona o estômago, coração e cérebro, mas também sobre os alimentos saudáveis e hábitos  adequados ao organismo. Ao final do ensino médio informações suficientes nos foram dadas para formarmos uma compreensão apropriada do nosso corpo, aumentando a possibilidade de realizarmos escolhas mais acertadas com relação a nossa saúde física. E da mente, o quanto somos informados sobre seu funcionamento? Quantas vezes na sala de aula o professor falou sobre os tipos de memória e de atenção, bem como as várias manifestações de inteligência? Algum texto sobre a relação entre as emoções e o "branco" na hora da prova? Alguém já realizou no colégio uma prova cujo assunto incluísse as situações psicologicamente saudáveis e insalubres, ou participou de uma atividade de classe cujo objetivo era como lidar com a frustração? Como podemos melhorar o desempenho atencional e de memorização se desconhecemos as características das funções cognitivas?  Como esperar que - com 10, 15 ou 20 anos - realizemos escolhas adequadas nos relacionamentos, profissão e aquisições se ignoramos totalmente as peculiaridades da mente emocional e racional de interpretarem um estímulo?
       Convencido de que " a educação é o grande motor do desenvolvimento pessoal" (frase atribuída a Nelson Mandela), proponho a inclusão do  estudo da mente humana na formação escolar dos estudantes, com o objetivo de fazê-los conhecer e vivenciar os fenômenos subjetivos desde cedo (assim como o estudo formal possibilita uma visão de mundo mais ampla, e a prática regular de uma atividade física favorece à consciência corporal, possivelmente o conhecimento e a vivência continuada dos fenômenos psicológicos também proporcione o surgimento de uma outra consciência: a mental). Com a psicologia na sala de aula, talvez na disciplina de ciências, quem sabe não aumentaríamos as chances  de formar gerações de pessoas mais conscientes do que sentem e pensam, mais habilidosas em lidar com a própria mente e, possivelmente, mais serenas, flexíveis e evoluídas? Capazes de perceber e distinguir em si mesmas alterações emocionais e cognitivas precocemente, evitando alguns quadros maiores de destatenção, impulsividade, agressividade e ansiedade.   Quanto a nós, psicólogos, ficaríamos com menos opções de trabalho, mas plenamente realizados, pois o sucesso foi alcançado - por nos tornarmos desnecessários.

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