Mostrando postagens com marcador violência. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador violência. Mostrar todas as postagens

domingo, 11 de março de 2012

Cutucando a onça com vara curta

       No final da manhã dia 29 de fevereiro, quarta-feira, precisamente às 11:30h, recebi um telefonema da minha esposa: com a voz embargada, disse que tinha sido assaltada naquele momento, na entrada do banco, e que eu fosse imediatamente para lá. No trajeto, aprisionado entre um semáforo e outro, tentava imaginar a situação ocorrida com ela, lembrando de outros episódios ocorridos com familiares e amigos. Ao entrar na agência, encontrei Adriana sentada na cadeira, angustiada, com a gerente ao lado confortando-a e tomando algumas providências - bloqueando os cartões, sustando os cheques. Outras pessoas em volta, solidários, lamentavam mais um assalto a mão armada e criticavam a falta de segurança em nosso estado (embora o desenvolvimento das grandes cidades - infraestrutura, maior oferta de serviços e empregos - demore décadas para iniciar, suas mazelas chegaram rapidamente). Quando saímos, passando pela cena do crime e conversando com algumas testemunhas, comecei a vivenciar emoções e pensamentos bem pouco civilizados, perdendo a tranquilidade no resto do dia.
       Uma semana depois, durante a entrevista inicial de uma avaliação neuropsicológica, os pais de um paciente relataram, após se queixarem do prejuízo escolar do garoto, que a residência deles havia sido invadida por três indivíduos fortemente armados. Por várias horas ficaram sob a mira de pistolas - mãe, pai, filho - sendo ameaçados de morte constantemente. Embora não seja delegado nem trabalhe num ambiente policial, não é raro que assaltos, furtos e assassinatos sejam comentados pelos pais e pacientes nas consultas, misturando-se às queixas de dificuldades de atenção ou de memória. Se acrescentar as notícias diariamente divulgadas pela imprensa, tendo a violência como arma principal, chegarei facilmente a conclusão que estamos vivendo novamente num ambiente selvagem, como há milhares de anos. Cada vez mais amedrontados, desconfiados e ansiosos, estamos perdendo gradativamente o direito de ir e vir; nossos filhos estão trancafiados em apartamentos, casas eletrificadas ou televisionadas; forçosamente temos que aumentar os gastos com serviços e equipamentos de segurança e, acima de tudo, somos obrigados a conviver com uma intensa e patológica sensação de insegurança.
       Como se não bastasse, este estado psicológico implica em intensas alterações hormonais e de neurotransmissores que, se prolongadas, resultam ou intensificam doenças (hipertensão, diabetes, acidente vascular encefálico, cancer, gastrite, dermatite, dores em geral) e transtornos (ansiedade, humor, stress pós-traumático). Além disso, desperta tendências comportamentais bizarras, utilizadas nos primórdios da humanidade. A agressividade é tão antiga no ser humano quanto o seu cérebro, e foi essencial na sobrevivência da espécie num ambiente hostil; ambos têm uma longa história de mudanças e adaptações, mas a tendência animalesca continua potencialmente presente em cada um de nós. Existem áreas e redes neurais relacionadas com a brutalidade das nossas condutas: giros temporais e o sistema límbico, região presente nos mamíferos em geral, onde são processadas as emoções e formada pelo tálamo, hipotálamo, hipocampo, amígdala e giro do cíngulo. São estruturas como a amígadala, sentinela cerebral que confere conteúdo emocional aos estímulos captados - classificando-os como perigosos ou não -, e o hipotálamo, responsável também pela expressão e manifestação somática da emoção. A visão de uma pessoa desconhecida, a percepção de que se trata de um assaltante, a sensação de medo, o aumento dos batimentos cardíacos e as reações de lutar, fugir ou fingir-se de morto acontecem em segundos, nessa área profunda do sistema nervoso, antes mesmo que possamos refletir sobre o assunto (fenômeno que envolve principalmente o córtex cerebral, cujo trajeto neuronal é mais longo e, consequentemente, mais lento).
       O problema é que o sistema límbico foi desenvolvido para um contexto primitivo, perigoso, desprovido de linguagem verbal e de princípios éticos, com relações interpessoais provavelmente pouco cordiais. Permitir que nas esquinas, ônibus, metrôs, morros e residências prolifere a insegurança e o medo é atiçar tendências que devem ser sublimadas. A História está repleta de períodos de intensa violência e crueldade, praticada isolada ou coletivamente - o holocausto na segunda guerra, atentados terroristas, matança atual de civis na Síria,  tortura e morte do ex ditador da Líbia, Muamar Kadafi, e os milhares de homicídios praticados em Alagoas nos últimos anos.
       Precisamos urgentemente reagir de alguma forma, senão cedo ou tarde seremos vítimas ou agressores! E pouco adianta blindar veículos, comprar equipamentos com alta tecnologia, contratar seguranças 24h, ter direito a proteção policial, pois o predador tem tempo e sempre aguarda um momento de descuido da presa ou do filhote que, em algum momento, acontecerá. Poderíamos então utilizar uma outra área cerebral, o córtex, em especial as áreas pré frontais (região essencialmente humana), para reconhecer o problema, identificar as possíveis causas do aumento da criminalidade - como a também primitiva e desenfreada sede de poder presente na maioria dos nossos políticos, semelhante à dos macacos, lobos e leões -, com o objetivo de planejar  e executar estratégias (aprimorar os critérios de escolha dos nossos representantes e monitorá-los sistematicamente, preferir açoes coletivas às individuais, provocar as secretarias de estado, Ministério Público, OAB, imprensa nacional e internacional, etc). Nos últimos milênios o homem vem adquirindo conhecimentos, criando novas tecnologias e transformando o mundo. Está na  hora de priorizar as mudanças no meio interno, abandonando tendências desnecessárias e inadequadas. Mas, para isto, temos que deixar o bicho quieto!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Proclamação da família

      Desde domingo a imprensa vem divulgando mais um capítulo da terrível realidade social  do Rio de Janeiro, com a ocupação - pela polícia militar - de mais uma monarquia da droga, a Favela da Rocinha. No balanço oficial, apreensão considerável de armas (fuzis, mísseis, submetralhadoras, pistolas, granadas, espingardas), veículos, drogas (maconha, pasta base de cocaína, cocaína refinada, crack, ecstasy), e a descoberta de um  laboratório de refino de cocaína. É o resultado de décadas de omissão do Estado e dominação dos traficantes pela força, insegurança e medo, com o poder soberano de decidir, controlar e punir os moradores da favela . Segundo o secretário de segurança pública carioca existe um plano para o Rio de 40 áreas com UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). Ele disse ainda que só na Rocinha serão 900 policiais na UPP. Com bem menos recursos econômicos e vontade política, nosso estado também se destaca quando o assunto é violência, com várias cidades alagoanas nas primeiras colocações no ranking nacional de homicídios por habitantes. A violência, irmanada com as drogas, tem sido uma das maiores preocupações da sociedade brasileira, e os seus cidadãos, como eu, inclinamo-nos a acreditar que a presença de policiais nas ruas amenizaria a situação. No entanto, observando as mudanças que vêm ocorrendo dentro das nossas casas, no ambiente familiar, talvez seja possível inferir uma correlação entre estes grupos sociais. Inicialmente, de maneira lúcida, é interessante considerar o aspecto evolutivo do ser humano, não só na dimensão física, mas também na psicológica. A mente, assim como o corpo, vem se adaptando a mudanças ambientais extremas há milhares de anos, desenvolvendo comportamentos que aumentem a probabilidade de sobrevivência da espécie, como a sexualidade e a agressividade.  Detalhe: o cérebro de que nossos antepassados dispunham há 100 mil anos atrás é praticamente igual ao meu e ao seu. Sendo assim, fisiológica e subjetivamente não faz muita diferença a ansiedade despertada ao andar na savana (há milhares de anos) e apresentar-se numa seleção profissional com outras centenas de pessoas.  Por mais que tenhamos conseguido modificar  a realidade externa, delimitando áreas, construindo cidades e equipamentos com alta tecnologia, manipulando seres, estabelecendo conceitos e regras, a realidade interna é a mesma, com os mesmos objetivos. Não se trata de justificar e se conformar com os atos inadequados a que assistimos diariamente nas ruas e nos noticiários, mas de compreender e aceitar que, de bicho e de gente, todos temos um pouco (alguns têm mais). Da criança com feições angelicais à doce vovozinha, do assassino ao homem santificado, temos todos tendências primitivas de buscar o prazer e agredir quem nos impede. São comportamentos universais (presentes em todo ser humano), mas que variam de intensidade e manifestação de acordo com as outras variáveis do comportamento humano - genética, fatores ambientais, sociais, maturidade. Com o processo da civilização, o homem precisou controlar e direcionar os impulsos agressivos e sexuais, e a família - primeiro grupo social - passou a ter novamente um papel decisivo nessa nova necessidade social. Nos últimos vinte ou trinta anos, entretanto, a família vem sofrendo modificações no seu formato e nas relações entre os membros. Coincidência ou não, a individualidade e a violência também se intensificaram neste período. Sem nenhuma pretensão saudosista, é urgente que consigamos distinguir o essencial do irrelevante na estrutura familiar, para que este ambiente continue a ser a maior possibilidade de aprendizagem do espírito coletivo e da consequente importância do respeito a algumas normas e regras para - como numa república - prevalecer o interesse de todos.