quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Emagrecimento sustentável

      A diminuição do rendimento escolar, principalmente pela falta de atenção nos estudos, é a reclamação mais frequente dos pacientes e familiares que procuram a avaliação neuropsicológica. Desinteresse, ambiente familiar desfavorável e a presença de transtornos são as causas mais comuns do problema cognitivo, sem esquecer das alterações emocionais.  Foi por este motivo que uma jovem retornou ao consultório, após ter realizado uma avaliação há algum tempo, quando se queixou de dispersão nas aulas e  diminuição da performance na faculdade. Apesar de não ter sido identificado transtorno de aprendizagem, ela demonstrou sintomas de ansiedade e foi encaminhada à psicoterapia - havia uma intensa preocupação e expectativa com o peso do corpo, responsável por grande parte da sua angústia.
      Passado alguns meses ela voltou para reavaliação e a vi de uma maneira bem diferente: entusiasmada. Com um conhecimento maior sobre suas habilidades e dificuldades, além de uma imprescindível cumplicidade consigo mesma. Contou-me porém da árdua missão em se manter na dieta do emagrecimento e persistir nos exercícios físicos: "é uma luta constante entre o anjinho e o diabinho".  À medida que ela falava da sua determinação em resistir às apetitosas tentações cotidianas, da frustração de eventuais recaídas, mas da sua persistência em continuar na batalha, fiquei me perguntando se teria que ser sempre assim e lembrei de tantas outras pessoas que estão no mesmo front. Parece realmente uma grande e interminável batalha, pelo menos para a maioria das pessoas com quem já conversei. Lembrei também que quando tive gastrite e precisei restringir inúmeros alimentos - os mais saborosos -, só vivia pensando... naquilo. Nos restaurantes e eventos sociais, a dificuldade para encontrar algo permitido e comestível tornava a situação ainda mais incômoda. Felizmente após algumas semanas conclui o tratamento e dei baixa no regime militar obrigatório. Mas, para aqueles precisam e tentam permanecer na dieta (geralmente começando na segunda-feira e nem sempre chegando no sábado), por quanto tempo conseguirão se manter firmes nessa batalha?
      Afinal de contas, que diabos de vontade tão grande é essa de comer? Sem precisar mistificar a situação, precisamos voltar mais uma vez para a história da nossa espécie. Como já repetido em outras postagens, a forma atual do nosso cérebro praticamente não mudou nos últimos cem mil anos. Lá trás vivíamos num ambiente extremamente hostil, inseguro, onde não só éramos caçadores, mas também a caça. Não havia feiras nem supermercados com alimentos sortidos ao alcance das mãos. Precisávamos fazer longas e perigosas caminhadas para matar a fome. Assim, era necessário comer o máximo possível, pois não havia a certeza de que no dia seguinte haveria alimento. A espécie humana, como todos os seres vivos, precisava se adaptar ao ambiente para evitar a extinção. Para isso o tecido adiposo, presente na pele, armazenava em forma de gordura a energia excedente do que comíamos, para ser utilizada na época das vacas magras - esta mesma gordura que nos dias de hoje é a grande vilã, um verdadeiro problema de saúde pública. Nesse contexto de intensa imprevisibilidade, mutações genéticas já vinham acontecendo no cérebro para configurar o ato de se alimentar como prioridade na motivação humana. Para incentivar o comportamento de procurar comida, pequenas áreas encefálicas se especializaram em despertar em nós a sensação de prazer na ingestão de alimentos (entre outras coisas), tornando-nos sedentos de lamber os beiços.
      O tempo passa, o tempo voa, e a comida continua sendo uma boa... Seja em casa (assistindo à tv, usando o computador) ou na rua (estudando, trabalhando, divertindo-se), sempre procuramos algo para mastigar. Em todas as comemorações - aniversários, casamentos, formatura, natal, páscoa, festa de bonecas - raramente ficamos sem comer. E com ajuda da tecnologia, novos sabores estão sempre surgindo nas prateleiras, provocando incessantemente nossos desejos com as quase irresistíveis propagandas a que somos expostos todo instante. E o que dizer do conforto proporcionado pela modernidade, que vem aumentando a ociosidade e reduzindo drasticamente a natural e necessária movimentação do corpo? Na compreensão do relacionamento entre indivíduo e o alimento devemos incluir também o histórico genético de cada pessoa - que o predispõe ou não à obesidade -,  e o nível de stress vivenciado por ele no cotidiano (alterando os níveis de cortisol - hormônio engordativo). Por fim não devemos esquecer dos pensamentos e sentimentos que nutrimos a cada momento em nós mesmos - nem sempre de maneira consciente -, a partir das escolhas que realizamos. Eles delineiam a nossa forma... de agir.
      Se o objetivo é emagrecer, precisamos considerar - além da quantidade e qualidade dos alimentos - todos esses ingredientes: o cognitivo, o nível de stress, o grau de ociosidade, a genética familiar e a filogênese. Não é a toa que emagrecer, ou melhor, manter-se magro é tão difícil. Por isso não precisamos nos sentir tão culpados por não conseguirmos fechar a boca por muito tempo. Porque é lutar contra  forças biológicas, psicológicas  e sociais muito intensas. Acredito ser insustentável, para a maioria das pessoas, permanecer no peso desejado apenas com dieta e exercícios físicos, desconsiderando completamente aqueles ingredientes. Estou convencido de que a escolha do emagrecimento como uma meta maior instiga uma guerra consigo mesmo e, por isso, tem grande possibilidade de fracasso a longo prazo. É inatural e improdutiva. Por outro lado, priorizar a saúde e o bem estar como objetivos a serem almejados parece ser mais apropriado e agregador, embora seja mais trabalhoso, pois implica numa reeducação não só alimentar, mas das atividades, dos relacionamentos, emoções e pensamentos. Então nos sirvamos disto, e bon appétit!

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